A equipe do candidato ao governo de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) pode ter cometido crime ao orientar um cinegrafista da Jovem Pan News a apagar imagens gravadas durante tiroteio ocorrido em Paraisópolis, zona sul da capital paulista, apontam advogados ouvidos pelo Brasil de Fato. A orientação veio à tona nesta terça-feira (25), em reportagem do jornal Folha de S. Paulo.
O tiroteio aconteceu no último dia 17 de outubro, quando a equipe de Tarcísio participava de atividade de campanha em Paraisópolis. Em um primeiro momento, a própria Jovem Pan News tratou o caso como "atentado", hipótese que foi descartada horas mais tarde pela Secretaria da Segurança Pública e pelo próprio Tarcísio.
O áudio divulgado nesta terça pela Folha mostra um diálogo entre um integrante da campanha e um cinegrafista da emissora, que não foram identificados. Após consultar o cinegrafista sobre os registros que fez, o integrante diz frases como "você tem que apagar" e "não pode divulgar isso não". As imagens, porém, já tinham sido repassadas à redação e colocadas no ar.
O advogado criminalista José Carlos Portella Junior, integrante do coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (AAD), afirma que é necessário que o caso seja investigado para verificar se houve algum tipo de orientação para que as imagens fossem de fato apagadas. Caso essa hipótese seja confirmada, haveria a configuração do crime de favorecimento real, que ocorre quando há auxílio material para que alguém cometa um crime saia impune ou garanta proveito dele.
"Se existiu de fato um tiroteio, essa prova foi capturada pela câmera da Jovem Pan e aí se pede que se apague essa imagem, isso claramente configura crime de favorecimento real", aponta.
O também advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), destaca a necessidade de apuração sobre o possível confronto entre policiais militares e criminosos. E, para que o crime seja investigado, qualquer prova disponível é bem vinda.
"Essas imagens certamente serviriam de provas para verificar o que de fato aconteceu. Portanto, em hipótese nenhuma essas imagens, sob qualquer argumento, poderiam ser intencionalmente destruídas. Se configura ou não um crime destruir essas imagens, só uma investigação pode dizer, por que é preciso que se entenda se isso foi de fato destruído, qual a intenção em se apagar essas imagens", complementa.
Câmeras em policiais
Para Botelho, todo esse episódio mostra uma tendência de Tarcísio, candidato bolsonarista ao governo de São Paulo, a evitar a transparência quando o assunto é segurança pública. O especialista traça um paralelo a uma das promessas de campanha do ex-ministro de Bolsonaro: o fim das câmeras acopladas aos uniformes de policiais, medida que reduziu a letalidade nas ações, diminuindo, inclusive, os números de mortes de agentes de segurança.
"A câmera nos uniformes tem um aspecto de proteção do próprio policial muito importante, tanto que é aprovada pela imensa maioria dos policiais de São Paulo. Elas já foram inclusive utilizadas em investigações contra policiais para defendê-los. A analogia que faço entre esses dois episódios é que a forma de pensar segurança pública do candidato não é uma forma que prioriza transparência. A transparência deveria sempre nortear qualquer ator político", destaca.
Portella Junior concorda, e lembra que os resultados positivos do uso das câmeras já eram projetados por entidades da sociedade civil antes mesmo da instalação, com base em estudos sobre projetos semelhantes implementados em outra partes do mundo. Os registros em São Paulo após a adoção da medida foram muito positivos.
"Sob qual argumento racional, pensado em termos de políticas públicas, se pode pensar em defender isso? Não tem razoabilidade nessa proposta. Por isso o que se vê mesmo: a real intenção é dar mais poder para as polícias, tornar São Paulo um outro Rio de Janeiro", afirma.
O que diz a campanha
Em nota, a equipe do candidato diz que "há uma grave descontextualização do episódio em Paraisópolis e de interpretação equivocada do áudio divulgado". Segundo a campanha do bolsonarista, o pedido para não enviar as imagens tinha o objetivo de "não expor as pessoas que estavam lá".
O texto afirma ainda que profissionais da imprensa que estavam no local fizeram imagens do episódio e colocaram no ar, e "nunca houve nenhum impedimento por parte da campanha em relação a isso", sem levar em conta que esse tipo de pedido não seria concebível, diante de questões básicas de liberdade de imprensa e de critérios de noticiabilidade.
Edição: Rodrigo Durão Coelho