Faltando cinco dias para o fim da proibição de despejos determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cerca de cinco mil pessoas, entre moradores de ocupações e integrantes de movimentos populares, protestaram nas ruas do centro de São Paulo nesta quarta-feira (26).
O ato integra a mobilização nacional convocada nesta semana pela Campanha Despejo Zero, articulação composta por 175 organizações. Entre elas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a União dos Movimentos de Moradia (UMM), Central dos Movimentos Populares (CMP), o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e o Movimento Luta Popular.
As manifestações acontecem também em outras localidades do país. Nesta quinta (27), estão confirmados atos no Rio de Janeiro (junto ao prédio da Justiça Federal, na avenida Rio Branco, 243, às 11h) e em Vitória (na rua Sete de Setembro, 20, às 18h30).
A reivindicação principal é a prorrogação, por mais seis meses, da ADPF 828, a liminar do STF que suspendeu as remoções forçadas no país por conta da pandemia de covid-19. Sua vigência termina na próxima segunda-feira (31).
Leia mais: Quase um milhão de pessoas correm risco de despejo imediato a partir do dia 31
"Esse daqui é o nosso terror"
Na praça da República, onde o ato se concentrou a partir das 14h, Sheila Nobre, da União dos Movimentos de Moradia (UMM), aponta para um trator de brinquedo. Ele foi usado para ilustrar, em forma de maquete, o risco iminente vivido atualmente por 188.621 famílias no Brasil, conforme levantamento divulgado nesta terça (25) pela Campanha Despejo Zero. O cenário é de quase um milhão de pessoas que, assim que entrar o mês de novembro, podem perder o teto.
Rosana dos Santos e Leandro Fagundes são parte dessa estatística. Com cinco filhos e desempregados, eles vivem na Ocupação dos Queixadas, em Cajamar (SP). Organizadas com o movimento Luta Popular, cerca de 105 famílias moram na comunidade desde 2019 e temem o despejo.
"Como a gente não tem para onde ir, os dois desempregados, tem criança, a gente não tem como escolher. A gente não está lá porque quer, é porque não tem outro jeito. Aluguel tudo é caro", lamenta Rosana. "Tem gente que tem tanta terra e não quer ceder. Pra que tanta terra desocupada se tem gente precisando? Estamos na luta para que cada um que tá aqui tenha um lugar para morar, um lugar digno."
Acompanhada por um contingente de 120 policiais militares e 13 viaturas, a manifestação caminhou, com falas alternadas num caminhão de som, até o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), na região da Sé. Antes, parou em frente a prefeitura, sob gestão de Ricardo Nunes (MDB), onde foi entregue um documento reivindicando a "suspensão imediata das reintegrações de posse realizadas pelo município de São Paulo".
Medo de ficar sem casa
Moradora da ocupação Maria da Penha, no Jardim São João, em Guarulhos, Marineusa Pacheco, integrante da coordenação do MTST, afirma que as famílias, em sua maioria, vivem de doações, já que muitas pessoas ficaram desempregadas nos momentos mais graves da pandemia e não conseguiram recuperar os empregos.
"Estamos sofrendo risco de despejo e é por isso que estamos aqui, para reverter esse processo. Se acontecer da gente sofrer essa ordem de despejo, não sei o que vou fazer, com tanta criança, tanta mãe, tantas pessoas de idade. As ruas de São Paulo e do Brasil já estão cheias de moradores, vão ser mais milhares de famílias morando na rua", afirma.
No Tribunal de Justiça, as organizações protocolaram um ofício à presidência do órgão. "Diante da maior crise sanitária deste século e de uma severa crise econômica em que a inflação e o desemprego em alta atingem mais e mais brasileiro a cada dia, especialmente os mais pobres, nas periferias urbanas, nos assentamentos urbanos e rurais, a sociedade civil tem exigido ações emergenciais do Estado brasileiro, no enfrentamento ao caos e à tragédia social em curso", afirma o documento, entregue no fim da tarde desta quarta-feira (26).
"A execução simultânea de milhares de ordens de despejo, que envolvem centenas de milhares de famílias vulneráveis, geraria o risco de convulsão social. Por isso, será necessário retornar à normalidade de forma gradual e escalonada", defende o ofício. Assim, além de pedir a prorrogação da suspensão, os movimentos reivindicam que o Grupo de Apoio às Ordens Judiciais de Reintegração de Posse (GAORP) seja reativado.
"Não temos para onde ir. Nossa luta é continuar lá. Estamos aqui hoje para ver se a gente conseguir prolongar e continuar lá", destaca Eliane Lima, moradora da comunidade Toka, no bairro do Grajaú, zona sul da capital paulista, e uma das participantes do ato desta quarta.
Edição: Felipe Mendes