O Congresso da Colômbia aprovou na noite de quarta-feira (26), por 125 votos a 15, a lei de "paz total", que caracteriza a implementação da paz como uma política de Estado. O texto autoriza o governo a iniciar os diálogos de paz com distintos setores armados, promove o desarmamento no país e cria o serviço social para paz, uma alternativa ao serviço militar obrigatório. Além disso, a lei cria o gabinete da paz, que seria a reunião de distintos ministérios para promover as políticas de implementação da paz.
A nova legislação amplia a compreensão de busca pela paz, que tradicionalmente se referia a diálogos com insurgências armadas de cunho político, para incluir setores vinculados ao tráfico de drogas e crime organizado.
Ao menos dez grupos armados irregulares já se comprometeram com o cessar-fogo. Entre eles estão algumas dissidências das FARC-EP, entre elas o "Estado Maior Central", chefiado por Nestor Gregorio Vera; a Segunda Marquetalia, sob comando de Iván Marquez; o bloco sul-oriental e a frente 33, que atuam na região do rio Magdalena.
De acordo com levantamento do Instituto Nacional de Desenvolvimento da Paz (Indepaz), desde que Gustavo Petro e Francia Márquez assumiram o Executivo, pelo menos 22 grupos armados publicaram comunicados demonstrando disposição em aderir à proposta de pacificação do país. Com a nova legislação, o Executivo tem respaldo legal para negociar redução de penas, delações premiadas ou suspensão de extradição aos EUA para membros de grupos armados irregulares.
"Nós não dirigimos a aplicação da política de paz, nós damos às faculdades ao governo, que deverá retornar ao Congresso com novas propostas de leis e reformas de acordo com as condições negociadas com cada grupo", disse Alirio Uribe, vice-presidente da Comissão de Paz no Congresso e membro do Polo Democrático Alternativo (Polo), partido da base governista, em entrevista ao Brasil de Fato.
O congressista explica que as negociações dependerão do governo, mas não serão as mesmas para as insurgências armadas e os grupos vinculados ao narcotráfico.
"O objetivo não é estabelecer acordos de paz com estes grupos [narcotraficantes], mas sim que eles se submetam à justiça. É um conjunto de medidas que busca devolver ao Estado colombiano o monopólio das arma", explica Uribe.
"Viver em paz é ter uma política de desarmamento como o que aprovamos com a lei de paz total" , diz o congressista Alirio Uribe Muñoz, do Polo Democrático Alternativo da Colômbia / Reprodução / Twitter
O ministro do Interior, Alfonso Prada, defendeu a proposta afirmando que tirar os "desertores" do diálogo "elimina a metade das possibilidades de paz total".
O partido Liberal – um dos partidos tradicionais da direita que decidiu apoiar a bancada governista – fez ressalvas ao projeto afirmando que "aqueles que traíram a paz" não deveriam ser incluídos nas novas negociações – em referência às dissidências das FARC-EP.
Prada rebateu dizendo que somente o grupo liderado por Iván Márquez, a chamada Segunda Marquetalia, deve mobilizar cerca de 1200 colombianos, por isso seria necessário dialogar com todos os setores. "Este é o início para virar a página do banho de sangue", disse o ministro.
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Além das dissidências, o governo já anunciou o reinicio das negociações com o Exército de Libertação Nacional (ELN) – a maior guerrilha em atividade – a partir de novembro.
A lei 418 também reitera o fim da obrigatoriedade do serviço militar e estabelece o serviço social para a paz: a possibilidade de que jovens exerçam durante um ano serviços comunitários vinculados à alfabetização digital, defesa do meio ambiente, segurança de patrimônios culturais, assistência a idosos, implementação dos acordos de paz e atenção às vítimas do conflito armado ao invés de ingressar no exército.
Com a nova medida, os parlamentares colombianos esperam alterar o caráter das Forças Armadas do país. Hoje, com o serviço militar obrigatório, 95% dos soldados colombianos são de origem camponesa ou urbana, dos estratos 1,2 e 3, de menor renda.
"O caminho é a profissionalização do exército. Hoje cerca de 40 a 45% dos soldados colombianos são profissionais. Com a regulamentação da lei, deveremos gerar mais incentivos para que os jovens queiram aderir ao exército, que possam seguir a carreira militar e permanecer estudando durante esse período", defende Alirio Uribe.
Em agosto, o governo Petro começou a instalar "postos de mando unificado pela vida", unidades formadas por representantes da Força Pública, parlamentares que compõem a Comissão de Paz da Assembleia Nacional e líderes comunitários locais. A proposta de descentralizar os diálogos de paz e a implementação da política de paz total busca atender cerca de 13% dos municípios colombianos com os maiores índices de violência.
Somente em 2022 foram registrados 85 chacinas com 147 vítimas, incluindo 35 signatários dos acordos de paz, segundo levantamento do Indepaz.