Bolsonaro conseguiu chegar na semana decisiva de uma eleição apertada errando e muito
Olá, tudo o que você precisa saber sobre o domingo, as emoções da apuração e a batalha do dia seguinte.
.Antifacada. Para uma eleição apertada e que pode ser decidida no erro do adversário, Bolsonaro conseguiu chegar na semana decisiva errando e muito. E o mais incrível: todos os erros foram planejados. A começar pelo amigo sincerão Paulo Guedes. Revivido para a campanha, Guedes imaginou ter acordado ainda em 2018, no auge do ultraliberalismo, e disparou as propostas de desindexação do salário mínimo e fim da dedução do imposto de renda. Mas os erros de cálculo vão além da economia, e incluem o falso atentado contra Tarcísio em São Paulo, a falsa apuração das inserções da campanha nas rádios, e principalmente o ataque de Roberto Jefferson, cuja ação parece ter sido premeditada, segundo a própria PF. É claro que toda essa balbúrdia pode ser uma cortina de fumaça para acobertar os escândalos envolvendo Bolsonaro e seu governo, especialmente na economia. Mas a prova dos nove mostra que o cálculo deu errado. A tentativa de Jefferson ser o viking carioca do Capitólio barrou o crescimento bolsonarista, afastou eleitores, confundiu a coordenação de campanha e a milícia digital e ainda sinalizou para os aliados que, se tomarem atitudes golpistas, Bolsonaro não vai segurar a onda dos amigos. Isso não significa que o discurso golpista está superado, até porque só sobrou isso para uma campanha que não tem mais o que apresentar. Ainda mais que, aos 45 do segundo tempo, é Bolsonaro quem precisa tirar votos de Lula, e não o contrário. A “denúncia” sobre a vinculação de rádios - um episódio dos Trapalhões que envolveu um servidor do TSE e acusou até rádios bolsonaristas - pretendia endossar o argumento de que os Tribunais interferem no rito eleitoral para eleger Lula. Só que os aloprados não combinaram sequer com a própria coordenação da campanha, para desgosto do centrão. E, no fim das contas, como se previa, deve ser a economia mesmo que decidirá a eleição. A sensação de melhoria com o pacote da PEC eleitoral parece ter perdido fôlego antes do fim do segundo turno, com um PIB zero ou negativo logo ali. Mais do que isso, é difícil esconder a barbárie quando quase um terço da população está na extrema-pobreza e a desnutrição leva ao maior número de internações de bebês em quase duas décadas. E mesmo a Faria Lima, que apostava silenciosamente no capitão, jogou a toalha e já considera favas contadas.
.Nervos de aço. Ao que parece, a estratégia de Bolsonaro é uma cópia tosca da máxima de Carlos Lacerda: Lula não deve ser candidato; candidatando-se não deve se eleger; elegendo-se não deve tomar posse; tomando posse, não deve governar. O problema é que a tentativa desesperada do capitão de adiar o segundo turno foi um claro sinal de fraqueza de alguém que já dá a eleição por perdida, aliás um movimento precoce para uma disputa relativamente equilibrada. Mas a criação deste limbo político tem duas funções: aprofundar o jogo sujo eleitoral, com intimidação, violência e uma avalanche de fake news, mas também antecipar o terceiro turno, ou seja, o próprio golpe. Por isso, pode-se esperar que Bolsonaro não reconheça sua derrota no dia 30 caso Lula saia vitorioso. O passo seguinte seria bombardear as instituições responsáveis pelo processo eleitoral, cenário que causa temores em ministros do STF e do TSE, especialmente se o placar da eleição for apertado. E para isso, a tropa de choque bolsonarista dentro do Senado dá uma mãozinha para o capitão atacando o tribunal. No pior dos cenários, caso Bolsonaro consiga se eleger, pode-se esperar uma aliança entre Executivo e o Legislativo para “cortar as asinhas” do Judiciário. Ainda assim, há uma eleição no meio do caminho e Lula confia na mobilização de suas bases e na força das urnas. O petista também trabalha para isolar seu adversário, trazendo todo mundo para jogar no seu próprio campinho. Assim, ao anunciar que não fará um governo “do PT”, e sim uma ampla coalizão, e que não pretende concorrer à reeleição, ele ao mesmo tempo neutraliza a força do antipetismo e canaliza para dentro de seu governo as expectativas políticas de aliados e concorrentes que já olham para 2024, 2026 e além, como Alckmin, Tebet, Marina Silva, Janones, Boulos, e até o PSDB de FHC. O problema é que, mesmo Lula vencendo, o estrago feito pelo bolsonarismo tende a perdurar pois a lógica do confronto e da violência se espalhou pela sociedade e pelo interior das instituições, dificultando a construção de consensos e de governabilidade. Mas deixemos para nos preocupar com isso depois do dia 30.
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Edição: Vivian Virissimo