Nas próximas eleições de meio de mandato (“midterms”, em inglês) que serão realizadas em 8 de novembro deste ano, o povo dos EUA escolherá representantes para todos os 435 assentos na Câmara dos Deputados, e uma grande parte dos assentos do Senado. Estas eleições decidirão qual partido estará no controle do Congresso nos próximos anos — republicanos ou democratas. Atualmente, o Partido Democrata detém a maioria em ambas as casas do Congresso. Muitos se preocupam que a falta de um projeto político claro que atenda às necessidades das pessoas trabalhadoras possa fazer com que os democratas fracassem durante as próximas eleições de meio-termo.
Os Estados Unidos estão em uma crise econômica com a inflação em alta, tornando difícil para a classe trabalhadora pagar as contas de gás, mantimentos e outras necessidades. Os aluguéis e as taxas de desabrigados também subiram em todo o país, e as previsões de uma próxima recessão são alarmantes. Apesar dessa situação, nenhuma das partes parece disposta a oferecer quaisquer mudanças radicais. Isto pode significar que a culpa pelo agravamento das condições materiais será imputada ao partido no poder — os democratas.
Pesquisas falam por si
Segundo o relatório da Pew Research de 20 de outubro, a economia é a principal questão para os eleitores, com 79% afirmando ser “muito importante” para suas decisões de voto — o maior percentual entre as 18 questões apresentadas. Pesquisa do New York Times/Siena College divulgada em 17 de outubro mostrou que o percentual de eleitores que consideram a economia a questão mais importante pulou de 36% para 44% desde julho, também o problema mais importante da lista; já a pesquisa do Washington Post constatou que 85% dos eleitores registrados listaram a economia como sua principal preocupação.
Outra pesquisa, Monmouth, constatou que a inflação foi classificada como “extremamente” ou “muito importante” por 82% das pessoas nos EUA — com apenas 30% aprovando a gestão de Joe Biden (Partido Democrata) nesse âmbito. Resultados da pesquisa Gallup diferiram um pouco, mas a mensagem ainda era nítida: inflação e economia classificadas em segundo e terceiro lugar como o problema mais importante para os entrevistados, seguido por “governo/liderança fraca”.
Os dados enviam uma clara mensagem de que as pessoas nos EUA estão mais preocupadas com a economia, particularmente com o custo de vida. Os preços do gás, das compras, da habitação e da saúde são uma grande preocupação numa época em que a inflação atingiu 8,2% este ano, atingindo os piores níveis dos últimos 40 anos.
Nessa nova realidade econômica, o futuro parece sombrio para os democratas. A Gallup também descobriu que, no último trimestre de 2021, a preferência partidária da maioria mudou de Democrata para Republicano. Desde 1991, quando a Gallup começou a medir a inclinação partidária, os democratas têm geralmente mantido a vantagem. Mas a pesquisa do New York Times/Siena revela que as preocupações econômicas estão transferindo os eleitores do partido Democrata para o Republicano.
Joe Bidden mesmo tem 38% de aprovação, similar ao ex-presidente Donald Trump (Partido Republicano) com o mesmo tempo de mandato, mas abaixo dos demais presidentes recentes.
Democratas falham em entregar um programa inovador
Nas últimas décadas, o partido que esteve na presidência geralmente perdeu o controle do Congresso nas eleições de meio de mandato presidencial.
Mas, de acordo com Neal Meyer na revista Jacobin, não tem que ser assim. Meyer ressalta que tanto os republicanos quanto os democratas estiveram no controle do Congresso e da presidência por longos períodos ao longo da história dos EUA. Os republicanos estiveram no poder por décadas após a Proclamação de Emancipação do presidente Abraham Lincoln que pôs fim à instituição da escravidão, e os democratas após as amplas reformas econômicas no New Deal do presidente Franklin Delano Roosevelt.
O que esses períodos de estabilidade unipartidária têm em comum? Ambos foram conduzidos após enormes mudanças sociais que moldaram permanentemente a sociedade americana — mudanças lutadas e vencidas pela classe trabalhadora.
No entanto, muitos dizem que o Partido Democrata parece não estar disposto nem mesmo a atender as preocupações econômicas mais básicas das pessoas trabalhadoras, muito menos a entregar um programa transformador.
Escrevendo no American Prospect, quatro estrategistas veteranos democratas solicitaram à liderança do partido que aborde as questões econômicas. “Os democratas precisam entender que temos uma mensagem vencedora sobre a economia e a inflação”, escreveram eles. Os eleitores “querem saber que você entende o que está acontecendo em suas vidas”.
As ações concretas dos democratas no legislativo e no executivo também falharam ao tratar a aflição econômica de muitos eleitores. Os benefícios federais por desemprego expiraram para milhões de pessoas sob a maioria democrata. O pacote de gastos sociais sem precedentes de Biden, “Reconstruir Melhor” (Build Back Better, em inglês), que poderia ter alocado 3,5 trilhões de dólares (aproximadamente 15 trilhões de reais) em saúde, educação pública e energia limpa, foi o primeiro a ser esvaziado, depois aniquilado pelo democrata conservador Joe Manchin.
Em cima da hora das eleições, Biden anunciou o perdão para os condenados por posse de maconha ao nível federal. No entanto, este perdão não só não liberta ninguém da prisão, como também fica muito aquém da descriminalização da maconha, que é extremamente popular nos Estados Unidos.
Republicanos superaram a estratégia dos democratas
Os democratas têm usado o esvaziamento dos direitos ao aborto pelos conservadores como sua principal mensagem de campanha. Eles estão argumentando que, sob a liderança conservadora, os políticos tentarão instaurar uma proibição do aborto em todo o país. Esta mensagem é criticada por muitos, considerando que os Democratas tiveram inúmeras oportunidades de consagrar o direito ao aborto na lei, e se recusaram a fazê-lo.
O senador independente Bernie Sanders argumentou contra esta estratégia no Guardian, escrevendo, “enquanto a questão do aborto deve permanecer na linha de frente, seria negligência política para os Democratas ignorar o estado da economia e permitir que as mentiras e distorções republicanas ficassem sem resposta”.
Os republicanos gastaram 44 milhões de dólares (aproximadamente 220 milhões de reais) em propagandas de campanha com foco na economia e na inflação, Andrew Perez e David Sirota relatam no The Lever, enquanto os democratas gastaram apenas 12 milhões de dólares (aproximadamente 60 milhões de reais) em propagandas relacionadas à economia. Os republicanos, que votam consistentemente contra pacotes de gastos sociais e regulamentações sobre ganância corporativa, também não têm um plano econômico que transformaria a vida do povo dos EUA. “Encurralados entre uma economia ruim e não querer ofender os grandes doadores, os democratas não transmitiram uma mensagem populista unificada martelando os lucros das empresas que alimentam a inflação”, escrevem Perez e Sirota.
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Em 2016, Hillary Clinton (Partido Democrata) perdeu o que muitos consideravam uma eleição possível de ganhar contra o errático e controverso Trump. Trump fez campanha sobre a promessa de “Fazer a América Grande Novamente”, um slogan que tem sobrevivido ao mandato presidencial do próprio Trump. O slogan de Hillary, “A América já é grande”, caiu no esquecimento para muitos que estavam lutando contra pagamentos de saúde, salários baixos e conseguindo pagar as condições básicas necessárias para sobreviver.
Em meio à inflação mais alta dos últimos 40 anos, após a crise da COVID-19 e a atual pandemia, a catástrofe climática e uma onerosa guerra por procuração na Ucrânia, manter o status quo não é mais uma opção.
*Traduzido por Flávia Chacon
Artigo original publicado em Peoples Dispatch.