Com mais da metade da força de trabalho dos EUA se autodeclarando exausta, é comum que muita gente pense que o diagnóstico de burnout esteja sendo banalizado – e ele está. Isso não significa, porém, que esse mal estar generalizado não seja uma indicação de que o sistema estadunidense, pautado pela performance e reproduzido mundo afora, esteja à beira de um colapso.
"Com certeza nós (estadunidenses) estamos na linha de frente do burnout, porque, em muitos aspectos, a gente vive para trabalhar", diz ao Brasil de Fato a advogada Paula Davis, autora do livro "Beating Burnout At Work" e fundadora do The Stress and Resilience Institute.
Uma das vozes mais importantes a falar sobre o assunto, Davis acredita que parte do problema do burnout nos Estados Unidos acontece pela banalização da palavra. "É comum ouvir que uma pessoa exausta e/ou sobrecarregada está experimentando burnout, porque essa palavra é usada como sinônimo de cansaço ou como um recurso linguístico de intensidade", afirma.
Segundo ela, o diagnóstico certeiro de burnout depende de três fatores: exaustão crônica, tanto física, quanto emocional, por conta do ofício; uma espécie de cinismo crônico, que nos deixa desconectados das pessoas ao nosso redor; e a falta de um sentido ou propósito para o trabalho. "Sabe aquela sensação de 'quem se importa? ninguém está nem aí pra isso mesmo?', então é essa falta de motivação a qual me refiro", completa.
Somente quando esses três elementos estão presentes é que o diagnóstico de burnout pode ser dado da forma correta, avalia a autora.
Classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o "resultado do estresse crônico em ambiente de trabalho", a síndrome do burnout tem como um dos primeiros sintomas justamente a queda da performance da vítima em questão. "Quando um médico, uma professora ou uma enfermeira passa por isso, a sociedade toda sente de forma direta", explica a psicóloga Christina Maslach, professora emérita da Universidade de Berkley e autora de uma das maiores e mais importantes pesquisas sobre burnout, reconhecida mundo afora.
"Mas o problema se agrava quando, rapidamente, o indivíduo deixa de ter apenas uma reação negativa ao trabalho e começa a dirigir essa mesma negatividade a si: o que há de errado comigo? Por que não consigo controlar essas emoções? Por que estou com essas dificuldades? A quem recorro? Sintomas de depressão e ansiedade podem se fazer presentes neste momento", explica a docente.
Nesta onda de questionamentos, continua Maslach, é comum que a pessoa sofrendo de burnout busque soluções individuais, e que seja ignorado um sistema de prevenção. "O que causa essa síndrome são as estruturas crônicas de um trabalho que não foram administradas da maneira correta e, se você não mudar isso, novos funcionários vão chegar, mas eles também vão experimentar a exaustão", diz à reportagem do Brasil de Fato. "Outra coisa que fazemos errado é achar que o burnout está ligado a um indivíduo ou que é um problema de saúde mental, o que não é. Essa linha de pensamento que coloca a culpa no indivíduo, também presume que cabe a ela solucionar o problema", finaliza Christina.
Para Paula Davis, o burnout é um problema sistêmico, que tem a ver com as estruturas do trabalho. "Nos Estados Unidos, por exemplo, o nosso modelo de remuneração basicamente premia a exaustão, já que ganhamos um bônus maior se trabalharmos mais, ou se estivermos fisicamente presentes por mais tempo no escritório. Virou um distintivo de honra dizer que não tirou todos os dias de férias a qual tem direito e há quem se vanglorie de estar constantemente ocupado", conta.
Ainda de acordo com a advogada e escritora, cabe às lideranças a mudança desse sistema falho. "Gerentes e diretores têm muito mais poder, influência e controle para mudar as estruturas sistêmicas de um ambiente de trabalho do que os funcionários da linha de frente. E é importante que, quando falemos de burnout, façamos de maneira abrangente e reconheçamos que é necessário implementar uma estratégia holística".
Edição: Thales Schmidt