Me fez lembrar uma coisa: o critério que as pessoas têm para medir a inflação
Lembram-se de quanto Jair Bolsonaro gastou em leite condensado há algum tempo? Quer dizer, ele não: o dinheiro era nosso. Era leite condensado suficiente pra abastecer uma rede inteira de supermercados. Se a compra fosse real, sua família tinha que consumir centenas e centenas de latas por dia. Será que houve compra de verdade?
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Ele me fez lembrar uma coisa que não tem nada a ver com isso: o critério que as pessoas têm para medir a inflação. Há quem use o preço da gasolina, quem mede de acordo com o preço de um prato feito, o preço do leite, a passagem de ônibus...
Um alemão, amigo de um amigo meu, usava o preço do leite condensado. Era tarado por leite condensado e media a alta dos preços pelo custo de uma lata do dito-cujo.
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Eu tenho outros critérios.
Durante o governo Sarney, um colega de trabalho acreditava no presidente e falava muito bem dele. Quando Sarney lançou o Plano Cruzado, aplaudiu pra valer. Eu não gostava do Sarney e não acreditava muito que o tal plano teria grande futuro. É certo que controlou os preços por um tempo, pelo menos os preços de alguns produtos. E fazia propaganda disso.
Passados uns meses, eu disse ao colega que jornalistas que publicavam só notícias elogiando Sarney e o Plano Cruzado ajudavam a enganar o povo. Ele ficou bravo, começou a falar bem do Plano, disse que ele aumentou o poder aquisitivo da população, e contestei com uma informação que era verdadeira:
- Quando o Plano Cruzado foi implantado, meu salário dava para comprar 187 litros de vodca no supermercado perto de casa. Agora só dá para comprar 123.
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Ele não quis aceitar o preço da vodca como critério para avaliar a evolução do poder aquisitivo. Argumentei que para mim, era o que eu consumia, o critério que valia. Medir a inflação por produtos que o governo tabelava é que não valia. Ora... Se ele proíbe que se aumente os preços do chuchu e da abobrinha, e medir a inflação pelo preço do chuchu e da abobrinha, vai dar sempre zero.
Eu podia também usar o preço de outras coisas que consumia, como a cerveja, cachaças, vinhos... Isso era o que me interessava. Teve que acabar aceitando meus argumentos.
Até hoje tem gente que se lembra dessa discussão, em que a vodca foi usada como referência de poder aquisitivo dos salários.
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Daniel Lamir