A decisão do STF aponta para o tratamento democrático dos movimentos do campo e da cidade
No último dia 30, as ruas do país foram tomadas de alegria com a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No dia seguinte, o Ministro Luís Roberto Barroso deferiu parcialmente a medida cautelar incidental no âmbito da ADPF 828 .
Após pedido formulado pelas diversas entidades da Campanha Despejo Zero, o Ministro suspendeu remoções forçadas em áreas urbanas e rurais até dezembro de 2021, com prorrogações até outubro de 2022, diante da mobilização popular quanto aos dados alarmantes sobre a situação de vulnerabilidade das famílias atingidas. Apesar de não mais impedir as remoções por julgar finda a pandemia, Barroso, em seu voto atual, garante a adoção de condicionantes para a retomada das desocupações forçadas, decisão acompanhada pela maioria do STF.
Apenas os Ministros André Mendonça e Nunes Marques, indicados pelo presidente Bolsonaro, se opuseram à garantia de medidas mais cautelosas para o Poder Judiciário determinar a remoção de famílias. Os 4 anos do governo atual foram marcados pelo descaso com as famílias de trabalhadores que perderam tudo: emprego, moradia, saúde e dignidade, quadro agravado por uma pandemia em que quase 700 mil brasileiros morreram nas mãos de um governo omisso que buscou lucrar com os valores das vacinas.
De acordo com a decisão do STF, os Tribunais de Justiça devem instalar, imediatamente, comissões de conflitos fundiários para a retomada de despejos de forma “gradual e escalonada”, em um regime de transição. Barroso destaca que “a retomada das reintegrações de posse deve se dar de forma responsável, cautelosa e com respeito aos direitos fundamentais em jogo”.
Atualmente são mais de 190 mil famílias ameaçadas de despejo no país em conflitos coletivos pela posse da terra, sendo mais de 150 mil crianças e quase 540 mil mulheres atualmente vítimas desses conflitos, segundo a Campanha Despejo Zero.
Também foi definida a necessidade de realização prévia de inspeções judiciais e audiências de mediação com participação dos atingidos, do Ministério Público e da Defensoria Pública, bem como dos órgãos responsáveis pela política agrária e urbana da União, Estados, Distrito Federal e Municípios em todos os casos, mesmo quando já há decisão para desocupação forçada.
Na ocorrência de alguma ordem de desocupação forçada antes da instalação das referidas instâncias de mediação e da realização de inspeções judiciais, descumprindo a decisão do Supremo, cabe o ajuizamento de Reclamação Constitucional diretamente no STF.
A luta contra os despejos urbanos e rurais, a luta por terra, trabalho e moradia digna segue em curso e há um esperançar na vitória de Lula para presidente. Em seu 1º discurso, após a finalização da apuração, Lula fala da necessidade da retomada de uma política estatal de moradia, tão urgente em nosso país, pois “Não podemos aceitar como normal que famílias inteiras sejam obrigadas a dormir nas ruas, expostas ao frio, à chuva e à violência. (...) O Brasil não pode mais conviver com esse imenso fosso sem fundo, esse muro de concreto e desigualdade que separa o Brasil em partes desiguais que não se reconhecem”.
A decisão do STF aponta para um horizonte de tratamento democrático dos movimentos sociais do campo e da cidade pelo Poder Judiciário, do direito à moradia dos ocupantes, do contexto socioeconômico e do uso de métodos de mediação de conflito. Nesse momento da história temos a chance de reconstruir políticas de Habitação por Interesse Social e de Reforma Agrária!
* Por Ana Claudia Diogo Tavares, Fernanda Maria da Costa Vieira, Francisco Trope da Silva Porto, Mariana Guimarães de Carvalho e Mariana Trotta Dallalana Quintans, docentes e discentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, integrantes do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (NAJUP) Luiza Mahin.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Durão Coelho