No distrito mais populoso de São Paulo, Grajaú, um grupo de educadores tenta ocupar com esperança um território onde o poder público não costuma garantir direitos.
"A fome começa no desemprego, na questão da fome, no agronegócio e vamos tentando virar essas chavinhas através do trabalho autônomo, da agroecologia e dessas vivências em roda, onde vamos trocando e nos formando comunitariamente", afirma a cozinheira Kim Alecrim.
O coletivo Imargem nasceu no Grajaú em 2006, em um momento de ascensão do movimento hip hop, as artes e o grafite. A junção dos artistas de diferentes áreas trouxe ao centro do debate a ocupação do território em sintonia com a natureza.
Transformada em associação em 2019, a iniciativa passou a ser guiada por 4 linhas: alimentação saudável, arte urbana, navegação e permacultura.
Todas as quintas, é organizada a feira de alimentos agroecológicos e o preparo de receitas de forma coletiva. Os produtos são frutos de doações por parte de produtores orgânicos da região. E também vem da horta comunitária cuidada por todos às margens da Represa Billings.
"[Os alimentos são] suco de inhame, suco da beterraba, pão de abóbora, bobó de shimeji com abóbora e cogumelo orgânico que vieram da Ilha do Bororé. E aí separamos as sementes dessa abóbora, germinamos, fizemos as mudas e é a nossa horta, nosso canteiro de abóboras que tá aqui", explica Kim Alecrim.
Cerca de 500 mim pessoas moram no Grajaú / Pedro Stropassolas
Permacultura
Luciana Evangelista é uma das apoiadoras do projeto. E ajuda a cuidar das mudas de temperos e das PANCs.
"Tirar o rótulo de querer só bolacha, embutidos ou umas coisas assim. Aí o espaço proporciona a alimentação saudável, sair um pouco, ser uma alimentação mais saudável. Eu criei os meus filhos e hoje o que eu posso dar eles aderem superbem", explica Luciana.
Graffiti
A potência do graffiti está na capacidade de ter a cidade como plataforma de intervenção. É o que o artista plástico Wellington Neri, conhecido como Tim, chama de percursos educadores. Lixeiras pintadas, murais, oficinas. Tudo é arte e transformação nas ruas do Grajaú.
"A gente entende que existe um potencial enorme nesse território, Estamos às margens dos maiores reservatórios de água, nessa fronteira com a área verde da cidade. Então é de interesse da sociedade ter o olhar cuidadoso . Então a gente acredita, entende que é se apropriar mesmo desse território. É a partir do que a gente já faz, da relação da arte e com a educação com o território", salienta Tim.
Navegação
Nativo do bairro, o educador Franz Thomaz já tem 19 anos de história navegando nas águas da represa. Ele começou desde pequeno, com 8 anos, e hoje organiza essa frente dentro do projeto, que é integrada às escolas públicas da região.
Para Franz, o trabalho é uma forma democratizar a educação para além do muro das escolas.
"Eu fui crescendo e vendo a importância que tem o navegar, a importância que tem respeitar a represa, o meio ambiente. Eu me apaixonei por isso e desde então, me reconhecendo como educador, quis passar essa ferramenta do barco a vela pra novas gerações dos meus sobrinhos, dos filhos e não deixar morrer essa história do barco a vela no Grajaú", afirma Thomaz.
Políticas públicas
Apesar do esforço popular, Kim ressalta a importância da garantia de políticas adequadas para o Grajaú.
"Não temos poder de transformação frente a um território com mais de 500 mil pessoas, porque somos um grupo de dez. Então, nunca vamos conseguir resolver a questão da fome, do acesso à moradia, porque são questões de política pública e nós conseguimos, no máximo, assim como a gente fica muito feliz, quando geramos esse senso de autonomia, onde as pessoas podem acessar o mínimo de informação para que elas tomem escolhas diferentes no dia a dia dela", ressalta Kim.
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