Não se passaram nem 10 dias desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, no último dia 31, que se estabeleça um "regime de transição" para a retomada dos despejos no Brasil. Antes que os tribunais estaduais pudessem se adequar às condicionantes impostas pelo Supremo, com a criação de Comissões de Conflitos Fundiários para fazer mediações, um juiz de São Paulo autorizou o despejo de 800 famílias.
No entendimento de José Luiz de Jesus Vieira, juiz da 1ª Vara Cível do Foro Regional da Penha, quem deve fazer a mediação neste caso é a Polícia Militar (PM). Na decisão, ele argumenta que o 19º Batalhão da PM tem "larga experiência em reintegração de posse" e que já "contatou diversos órgãos públicos" para que o despejo tenha "o suporte necessário".
As cerca de três mil pessoas que podem ser colocadas na rua a qualquer momento vivem na Ocupação Jorge Hereda, na zona leste da capital paulista. A comunidade surgiu em 16 de julho de 2021 em uma área que estava abandonada. O terreno é reivindicado pela imobiliária Savoy, que é também proprietária do Shopping Aricanduva, vizinho da comunidade.
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"Para onde a gente vai?"
O STF determinou ainda uma série de obrigações para que as remoções coletivas aconteçam no país. O Poder Público é obrigado a ouvir os representantes das comunidades afetadas, avisá-las com antecedência da situação, dar um "prazo razoável" para a desocupação e encaminhar quem precise para "abrigos" ou adotar "outra medida eficaz para resguardar o direito à moradia".
Nada disso chegou, até o momento, aos moradores da Ocupação Jorge Hereda. Adriana da Silva, uma das coordenadoras da comunidade, diz que o sentimento é de apreensão. "Muitas famílias que estão aqui não tem para onde ir, não tem recurso nenhum para pagar aluguel, tem pessoas vivendo em estado de miséria mesmo", expõe. Se for despejada, ela mesma, que vive com os filhos, não tem um plano B.
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Seu Sebastião vive na Ocupação Jorge Hereda desde o início, junto com sua nora e os 10 netos. Passou por "sol, chuva e sereno" embaixo de lona até estruturar o barraco de madeirite onde vive hoje. "Ainda não consegui fazer minha casa, porque minha aposentadoria é só um salário mínimo", conta. "Eu desejo uma moradia, porque não tenho para onde ir", afirma.
A situação é a mesma para Lucas e Jéssica, que moram perto de Seu Sebastião. A família, antes composta pelo casal e uma menina, acaba de crescer. "A situação está crítica", diz Lucas, desempregado, ao mostrar o armário vazio de alimentos. "Mas nossa luta vai vencer, se Deus quiser", balança a cabeça afirmativamente, no cômodo ao lado de onde o bebê recém-nascido dorme.
Reintegração autorizada, Supremo ignorado
Marta Araújo faz parte da coordenação da Unificação das Lutas de Cortiços e Moradia (ULCM), que acompanha a Ocupação. "O que nos assustou bastante foi o juiz ter decidido prosseguir com a reintegração sem observar as condicionantes do Supremo", relata. "A PM não tem papel de mediação de conflitos", salienta Araújo.
"Além disso", complementa Araújo, antes de ser ocupada "essa área tinha sido notificada pelo não cumprimento de sua função social e tem débitos de IPTU. Nada disso o Judiciário relevou".
Ao Brasil de Fato, o TJ-SP informou que não pode emitir nota sobre a decisão do juiz Vieira, já que os desembargadores "têm independência funcional". Quando há discordância, apontou o órgão, cabem às partes entrar com recurso. A Defensoria Pública se manifestou para o que o magistrado reconsidere seu posicionamento.
Edição: Nicolau Soares