"Combater o desfinanciamento do SUS significa revogar a emenda 95"
Um levantamento do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) aponta para um corte de aproximadamente 50% em diversas áreas da saúde com o Orçamento enviado pelo governo Bolsonaro para 2023. O atual projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê para todos os gastos do governo, não só com saúde, um montante de R$ 149,9 bilhões para o próximo ano, o menor valor desde 2014.
O vice-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), Francisco Funcia, afirma que os cortes foram motivados pelo desvio de cerca de R$ 20 bilhões dos R$ 149,9 bilhões para emendas parlamentares.
Para fazer isso, foi necessário fazer cortes de programações que já vinham sendo financiadas pelo governo federal, como recursos da Farmácia Popular, Saúde Indígena, formação de profissionais da saúde e da Atenção Primária de Saúde.
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Funcia lembra que o Teto de Gastos permite esse remanejamento, mas isso significa "cortar programações de despesas que já eram "ealizadas inclusive, como dois terços do orçamento Ministério da Saúde. Isso penaliza severamente o financiamento de estados e municípios para 2023", afirma.
Soma-se a isso a defasagem já embutida nos R$ 149,9 bilhões devido ao Teto de Gastos. O valor deveria ser de R$ 172 bilhões, ou seja, "teria que ter R$ 23 bilhões a mais nesses 149,9 bilhões. Esses cortes foram sobre um valor já deprimido, depreciado, desfinanciando o SUS pela emenda 95". Trata-se de "um golpe de morte no SUS".
Enquanto aumentam as verbas para emendas parlamentares, os recursos para os programas diminuem, segundo dados da ABrES. Houve uma diminuição de 31% no orçamento previsto para o Programa Médicos pelo Brasil; 65,7% a menos para o programa Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação em Saúde; 63% a menos para a Alimentação e Nutrição para a Saúde; 53,5% a menos para Educação e Formação em Saúde, 60% a menos para a Saúde Indígena e 55% a menos para Atenção à Saúde de Populações Ribeirinhas e de Áreas Remotas da Região Amazônica, entre outras quedas.
PEC emergencial
O cenário constitui um dos principais desafios do próximo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A discussão sobre o orçamento está incluída nos trabalhos da equipe de transição, e o assunto deve ser levado para o Congresso Nacional mesmo antes da posse.
A equipe de transição deve entregar até o final desta semana o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial com os valores necessários para garantir as prioridades do novo governo, como a manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600 e o reajuste maior do salário-mínimo.
Francisco Funcia afirma que o novo governo deve discutir uma PEC emergencial para a recomposição do piso orçamentário da Saúde.
"Há uma necessidade de aumentar a participação federal no financiamento do SUS, dado que estados e municípios já não têm mais capacidade de alocar recursos adicionais. Essa é uma questão fundamental e, para isso, precisa ter esse esforço que a equipe de transição está fazendo, que é uma negociação política desde já com o Congresso atual para que aprove mudanças no orçamento", afirma Funcia.
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Um exemplo do que pode ser proposto dentro de uma PEC é um crescimento gradual do percentual do Produto Interno Bruto (PIB) investido na saúde ao longo dos anos. Um estudo do Ieps propõe que o governo federal chegue a investir 3% do PIB em até 10 anos. "O gasto público em saúde em países como o Reino Unido, que tem um sistema de saúde parecido com o do Brasil, corresponde a 7,8% do PIB. O governo federal também tem instrumentos para isso", afirma.
Atualmente, o gasto do governo federal com a saúde corresponde a 1,6% do PIB.
Revogação do Teto de Gastos
Funcia explica, entretanto, que a medida só é possível a partir da revogação do Teto de Gastos. "Combater o desfinanciamento do SUS significa revogar a emenda 95", uma vez que as necessidades de gastos aumentam em proporção maior do que os investimentos demandam, em suas palavras.
"A população cresce a 0,8% e a população idosa cresce a 3,8% ao ano. Então deixar o piso da saúde congelado no nível de 2017 [quando foi promulgado o Teto de Gastos] significa alocar para a saúde, em termos per capita a cada ano, menos do que o ano anterior. As necessidades de saúde não podem ficar presas a um piso, cuja regra é baseada em um fator condicionado pela dinâmica cíclica, como a receita", afirma Funcia.
"Quando a economia cai, as necessidades de saúde da população não deixam existir. Então tem que ter um piso compatível para atendimento dessas necessidades da população. Você pode ter mecanismos de controlar os gastos públicos que não seja esta forma que congela valores nos níveis de vinte anos."
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Na prática, o Teto de Gastos ainda irá congelar os investimentos em saúde por mais 15 anos. Isto significa que o orçamento da União com saúde não poderá ultrapassar o valor investido no ano anterior acrescido à inflação.
Até o momento, segundo levantamento da ABrES, estima-se que o Teto de Gastos foi responsável por uma diminuição de R$ 48 bilhões na saúde entre 2018 e 2022. Em 2012, o valor médio de gastos na saúde por brasileiro foi de R$ 687,00. Já em 2021, os gastos caíram para R$ 617,00, sem levar em conta os recursos utilizados no âmbito da pandemia de covid-19.
Edição: Thalita Pires