É o momento de apostar em um novo dinamismo interno explorando as oportunidades do novo paradigma
* Por Dante Apolinario, Bruna Belasques, Bruno Castro Dias da Fonseca e Gabriel Carneiro.
Tensões geopolíticas, instabilidade e a política de rápido aumento dos juros nos EUA e na Europa geram perspectiva de um ambiente internacional difícil. A recessão e até uma nova crise financeira são prováveis, apesar dos esforços desses governos para evitar o pior. Junta-se a isso o relativo baixo crescimento na China, devido a sua insistência na política de Covid-zero com frequentes lockdowns, e o impacto sobre suas exportações dos problemas econômicos nos principais mercados dos países desenvolvidos. Segundo o último relatório trimestral do Fundo Monetário Internacional (FMI), há baixas expectativas para o crescimento da economia no ano que vem. O órgão fez um alerta para o perigo do crescimento da inflação ao redor do mundo, juntamente com a desaceleração da economia chinesa e a prorrogação da guerra na Ucrânia, e deu estimativas bem moderadas para o crescimento do PIB global de 2023.
Nesse relatório, o Brasil, mesmo com desempenho razoável nesse trimestre, devido a gastos públicos eleitoreiros, não escapa da expectativa de baixo crescimento econômico em 2023. O Banco do Brasil apontou a mesma expectativa do FMI e reduziu a sua projeção para o crescimento do PIB brasileiro em 2023.
Contudo, tendo em vista o perigo da inflação, os bancos centrais dos países ricos continuam com sua política de elevação de juros. É o caso dos Estados Unidos, neste ano, que recentemente teve a maior alta da inflação dos últimos 40 anos e segue com os esforços do Federal Reserve (FED) para contê-la. Isso gera uma pressão sobre países em desenvolvimento que, numa tentativa de reter capital financeiro, também tendem a aumentar a sua taxa de juros. Isso também ocorre em função do combate à inflação doméstica, devido aos preços de energia e alimentos internacionais.
Um aumento na taxa de juros básica de qualquer país afeta a oferta de crédito, o que prejudica os investimentos. Logo, países dependentes de exportações de commodities vão sofrer, já que o seu pólo dinâmico (o mercado externo) vai estar em recessão, o que poderia ocasionar problemas no fluxo de importados também.
Para escapar dos efeitos negativos externos, cabem políticas ativas de estímulo. O Brasil, como grande produtor de alimentos e energia, exportador importante de petróleo, não deveria ficar refém das flutuações internacionais em dólar desses commodities. Ao mesmo tempo, cabem políticas cambiais ativas para mitigar e antecipar os impactos de movimentos bruscos de capitais financeiros de curto prazo.
Estamos diante da necessidade de ampliar a taxação sobre ganhos extraordinários. Um exemplo é o caso escandaloso da Petrobras, que já liberou nada menos de R$180 bilhões para a distribuição de seus lucros, dos quais apenas um terço vai para o Estado como acionista controlador. 2/3 das ações estão na mão de acionistas privados, metade deles no exterior. Estes ganharam R$120 bilhões, provando a serviço de quem Paulo Guedes estava operando. No resto do mundo, já foi introduzida ou se discute a criação de impostos extraordinários diante dos lucros igualmente extraordinários das petrolíferas, devido ao impacto da guerra na Ucrânia sobre os preços internacionais dos hidrocarbonetos. E, como se não bastasse, Brasil continua sendo um dos poucos países do mundo que não taxa os dividendos
Diante da turbulência adversa no cenário internacional é indispensável investir na capacidade industrial. A questão do desenvolvimento tecnológico passa, assim, a ser também uma questão de defesa da soberania brasileira.
A fronteira tecnológica mundial contemporânea é um ambiente de constante disputa das principais potências, que pretendem dominar as inovações mais sofisticadas, e assim assumirem posições privilegiadas nas cadeias globais de valor. Tecnologias como engenharia genética, descarbonização (como carros elétricos), inteligência artificial e outros bens de altíssimo conhecimento agregado consistem em oportunidades para inspirarem profundos investimentos do governo, gerando não apenas esse parque tecnológico moderno, mas também empregos. Estimulam também a demanda nacional, angariando maior independência nacional tecnológica.
O Brasil pode disputar seu lugar nessa nova configuração da economia mundial em prol de um projeto de desenvolvimento nacional que busque superar as desigualdades e gerar empregos de qualidade. É o momento de apostar em um novo dinamismo interno explorando as oportunidades do novo paradigma tecnológico e ambiental. Parte central disso é requalificar e aumentar a indústria brasileira em torno de cadeias regionais de valor. Isso exige um grande esforço de estabelecer prioridades e colocar os bancos públicos, especialmente o BNDES, a serviço do crescimento dos investimentos produtivos e inovação tecnológica.
Um exemplo pode ser a retomada da política para o complexo industrial de saúde, iniciada no governo Dilma e interrompida após sua derrubada. Isto permitiria usar o poder de compra do SUS para pactuar com empresas farmacêuticas internacionais a transferência de tecnologia e o fortalecimento de laboratórios nacionais, com ampliação dos investimentos no país. Desta forma, teríamos um modelo de política industrial que responde diretamente a políticas sociais, na área da saúde.
O setor de energia representa outra janela de oportunidade, tanto para a geração de emprego, como para a transição a uma economia mais verde. Atualmente, o uso do petróleo, como fonte de energia, é majoritário mundo afora – cerca de 31%, globalmente, e 33% no Brasil, segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA) e do Balanço Energético Nacional (BEN). Em outras palavras, grande parte do consumo de energia advém de fontes finitas e que resultam em degradação ambiental. É diante desse cenário que grandes empresas líderes do setor, como a Shell, têm investido em energia renovável (fotovoltaica e eólica) por meio da marca Shell Energy. Outras petroleiras como a Total, BP e a Galp também têm incentivado massivamente esses segmentos, o que indica uma tendência para o setor.
No Brasil, a Petrobras tem potencial de cumprir esse papel por meio de investimentos na geração de hidrogênio verde e atuação em setores de energia eólica e fotovoltaica. Isto geraria empregos, além de colaborar para a complexificação das exportações brasileiras – uma vez que uma parcela da tecnologia produzida poderia ser vendida, em especial, para países vizinhos. Contudo, para isso, é necessário que sejam retomados os investimentos da maior empresa brasileira no âmbito de uma nova orientação que visa transformar a Petrobras em uma empresa de energia com visão de médio-longo prazo. Esta transição deve estar no horizonte de um governo comprometido com o desenvolvimento econômico brasileiro e sua inserção internacional. Na campanha, o então candidato Lula colocou a retomada dos investimentos da Petrobras como tema central. Na carta publicada antes do segundo turno, Lula afirmou que a companhia deve voltar a ser indutora do desenvolvimento.
É preciso esclarecer que a transformação de empresas petrolíferas em empresas de energia não significa que os derivados de petróleo cairão em desuso a médio prazo. Certamente serão empregados por mais tempo em setores como vestuário e químico. Contudo, é importante garantir sua redução em setores em que há alternativas viáveis, como geração de energia.
Olhando o desafio da requalificação do parque industrial, há uma oportunidade de ampliar as parcerias em projetos tecnológicos com os principais parceiros econômicos, em particular a China. Isso envolve vários setores da sociedade, mas precisa de uma orientação e coordenação por parte do Estado e de instituições relevantes, como o BNDES e a Finep. O Brasil ampliou na década de 2000 sua estrutura de universidades federais e centros de pesquisa. Instituições como Embrapa, INPE, Fiocruz entre outras têm prestígio internacional. Essa capacidade de pesquisa, tecnologia e inovação deve ser retomada, depois do abandono e desconstrução pelo governo derrotado. Esse esforço precisa se alinhar às prioridades estabelecidas para o fomento a investimentos industriais.
Parcerias internacionais
A eleição do Lula despertou muito interesse em vários países, tanto no Norte, como no Sul, a fim de reestabelecer parcerias. Há claros sinais de que as grandes economias, que estão disputando entre si, têm interesse em ampliar sua presença no Brasil, por meio de investimentos, financiamento e acordos. Há oportunidades para o novo governo repactuar os acordos que estão na pauta, e buscar pactuar com as grandes empresas interessadas em investir no Brasil o aumento de sua contribuição para o desenvolvimento de uma base industrial-tecnológica endógena.
No caso das parcerias e acordos internacionais, o desafio é definir as prioridades em função das novas diretrizes para um desenvolvimento equilibrado, não só do ponto de vista econômico, mas também social e ambiental. Em termos de relações norte-sul, está em pauta, por exemplo, o Acordo Mercosul-União Europeia. Sua tramitação depende de uma readequação às novas propriedades do governo brasileiro. Há de se ressaltar, portanto, que as negociações ainda não se encerraram. O mesmo vale para a adesão à OCDE, a respeito da qual também há um debate nacional sobre a entrada do Brasil na organização.
Nas relações Sul-Sul coloca-se na mesa a questão regional, que foi prioritária durante os governos do PT. O fortalecimento e o alargamento do Mercosul é uma opção, algo que poderia ocorrer com a aproximação da Comunidade Andina (CAN). Outra é a retomada da UNASUL, com novas iniciativas que possam impulsionar investimentos de interesse comum, por meio de um banco regional de investimento, além da retomada de iniciativas interrompidas, como o Conselho Sul Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan). A recente visita de Alberto Fernández a Lula, logo no primeiro dia após o resultado das eleições, mostra boa vontade política. Além da questão regional, o Brasil também terá a oportunidade de retomar uma posição mais assertiva no BRICS, que tende a ganhar um papel mais proeminente nos próximos anos. E, mais especificamente, há um potencial para qualificar melhor a relação com o maior parceiro comercial do Brasil, a China, buscando aumentar os projetos conjuntos em tecnologia e inovação.
Apesar das turbulências internacionais, em 2023, abre-se para o Brasil uma oportunidade de aproveitar janelas de desenvolvimento, principalmente onde o país já possui histórico, como na indústria de energia renovável. Em um cenário de capitais envergonhados, uma política ativa de investimentos do governo em ciência e tecnologia, educação e industrialização é obrigação, pois somente o bom investimento público, alavancando investimentos privados, consegue garantir que o país manobre no meio das turbulências internacionais anunciadas para o ano que vem.
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
[1] Os autores agradecem a colaboração do professor Giorgio Romano Schutte.
Edição: Thales Schmidt