O amor que você tem pra dar e não dá acaba apodrecendo em você
Se você precisasse transportar água de um lugar para o outro, que tipo de utensílio usaria para isso? A edição de hoje (16) do Radinho BdF apresenta para os ouvintes mirins um menino que preferia carregar água na peneira: o poeta Manoel de Barros, o poeta das infâncias, que cresceu em uma fazenda no coração do Pantanal e dedicou a vida pra escrever sobre borboletas, caracóis, passarinhos e outras tantas coisas que podem parecer desimportantes para os adultos.
Como em novembro completam-se sete anos do falecimento de Manoel de Barros, o Radinho BdF convida quem ele mais gostava para fazer uma homenagem: as crianças. Ele mesmo dizia que liberdade e poesia a gente aprende com elas.
“Eu acho que dá para carregar água na peneira, mas em outro tipo. Se você imaginar que alguém consegue carregar água na peneira, é possível sim carregar água nela. Acho que ele quer dizer que a gente pode fazer algo impossível ser possível, mas dentro da nossa cabeça”, diz Francesco, que tem 6 anos e mora em São Paulo.
O poeta escolheu dar atenção ao que chamou de “vazios infinitos”. Sempre dizia que tudo o que não serve para vender no mercado serve para fazer poesia, como o “coração verde dos passarinhos”. Manoel dizia que na verdade só tinha profundidade sobre “o nada” e que, para ele, poderoso não é quem descobre o ouro, mas aquele que descobre as “insignificâncias”.
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Ele se tornou um dos principais nomes da poesia brasileira e hoje ele é reconhecido em diferentes partes do mundo, com dezenas de livros publicados aqui e em outros países. Ele também recebeu diversos prêmios de literatura, entre eles o Prêmio Jabuti, o mais importante do país no seguimento.
“Manoel de baros escreveu sobre o cotidiano e a natureza. Eu acho que os poemas dele muito bonitos e amo as poesias dele”, diz Ana Maria, 12 anos, que mora em Campo Grande (MS).
Ela e outras crianças que participam desse programa integram o Projeto Coral Infanto Juvenil da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (Pciu) que fez um trabalho de musicar poesias de Manoel de Barros.
“As músicas que já cantei foram ‘Sombra Boa e ‘Bernardo’. A sensação é sempre muito boa porque além de cantar também estamos recitando uma poesia muito linda para as pessoas. É sempre uma sensação muito boa”, contou Willian, de 12 anos, que mora em Campo Grande e também participa do Pciu.
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História de poeta
Manoel de Barros, que era chamado pelos amigos de Nequinho, nasceu em 19 de dezembro de 1916, em Cuiabá, no Mato Grosso, e cresceu no Mato Grosso do Sul, em uma fazenda de gado da sua família, na região do Pantanal.
“Meu mano uma vez pegou uma ema do campo, bem pequenininha. E a gente ia para o curral montado na ema. Nossa infância era mais de cavcalo, de bezerro e nós chegamos nessa perfeição de montar em uma ema. O que comanda a poesia em qualquer lugar do mundo é a infância, uma coisa gratuita, que não se vende”, disse o próprio poeta, em uma das poucas entrevistas que deu em vida.
Aprendeu a ler ensinado por uma tia na fazenda onde morava e cresceu sonhando em estudar e aprender cada vez mais. Por esse desejo, se mudou sozinho, aos 13 anos, para Campo Grande para estudar em um internato. Foi aí que começou a escrever suas primeiras poesias.
Alguns anos depois, Manoel se mudou para o Rio de Janeiro, para continuar os estudos. Lá ele se formou advogado, mas poeta que era não se deu muito bem com as leis. Depois da morte do seu pai, ele voltou para a fazenda, para cuidar dos negócios. E lá ele viveu até falecer, aos 97 anos.
Foi na fazenda que Nequinho voltou a ser criança, fez muitos amigos e passou a olhar ainda mais de perto para a natureza, para as pessoas e para as histórias da região. Na vida pessoal, ele foi casado por muitos anos com Stella Barros, quem ele sempre dizia ser o amor da sua vida. Teve três filhos, sete netos e cinco bisnetos.
Amor pela natureza e pelas pessoas
Ter crescido e vivido grande parte da vida no Pantanal permitiu que Nequinho conhecesse muito sobre a natureza, uma das grandes inspirações pra sua poesia. Ele adorava observar as árvores, os rios, o nascer do sol e, principalmente, os animais.
“Nossa região possuí uma paisagem natura de cerrado e pantanal. A cultura boliviana e paraguaia também nos cercam. Uma das coisas que mais gosto aqui, com certeza é a fauna. Nossos animais são encantadores! Aqui é possível ver a capivara nas ruas e no céu, em pleno centro da cidade, as araras azuis. Meu animal favorito é o bem-te-vi, por causa da sua simplicidade e do seu canto, que é quase uma fala”, disse Júlia, que tem 15 anos mora em Campo Grande.
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Ele também se inspirava nas pessoas, nas relações de amizade e nos causos do Pantanal. Uma de suas poesias mais famosas foi escrita em homenagem a um dos trabalhadores da fazenda, o Bernardo, que cuidou da tia de Manoel quando ela ficou muito idosa. Ele era uma pessoa tão boa, que Manoel de Barros dizia que ele já tinha evoluído para uma árvore.
“Sei de bichos do mato que não avançam nele. Na hora de pegar as galinhas elas não fugiam. Ele acarinhava qualquer animal do terreno dele, de vez em quando saía para benzer as águas do rio. Ela impressionante o Bernardo”, disse o próprio Manoel de Barros.
Uma das lições mais importantes que Manoel deixou foi valorizar as pequenas coisas, festejar o simples, celebrar a beleza do mundo e brincar sempre, em todas as fases da vida. Por isso, as ideias de Nequinho permanecem vivas sempre que alguém para alguns minutos na correria da vida para olhar as pequenas coisas do mundo com olhos de criança.
“Se você não usar o amor, ele apodrece em você. A gente tem que usar o amor, sempre. O amor que você tem pra dar e não dá acaba apodrecendo em você”, disse Manoel de Barros.
Brincar sempre
Se brincar é a principal atividade das crianças, o Radinho BdF convida os pequenos ouvintes a começar sua coleção de rimas – muito parecida com uma coleção de figurinhas, pedras ou folhas. Quem ensina a brincadeira é a professora Silvana de Oliveira, que convida as crianças a fazer como Manoel de Barros e observar seu entorno para encontrar rimas na natureza, anotando e desenhando tudo em um caderno.
Na hora da história, o arte educador Alê Fernandes conta a Lenda do Tuiuiú, uma das histórias mais tradicionais e mais bonitas do Pantanal, terra de Manoel de Barros.
E a Vitrolinha BdF põe as crianças para dançar ao som do CD Crianceiras, um projeto que musicou poesias do Manoel de Barros. A trilha do programa ganhou toadas de viola caipira tocadas pelo também pantaneiro Almir Sater.
Sintonize
O programa Radinho BdF vai ao ar às quartas-feiras, das 9h às 9h30, na Rádio Brasil Atual. A sintonia é 98,9 FM na Grande São Paulo e 93,3 FM na Baixada Santista. A edição também é transmitida na Rádio Brasil de Fato, às 9h, que pode ser ouvida no site do BdF.
Em diferentes dias e horários, o programa também é transmitido na Rádio Camponesa, em Itapeva (SP), e na Rádio Terra HD 95,3 FM.
Assim como os demais conteúdos, o Brasil de Fato disponibiliza o Radinho BdF de forma gratuita para rádios comunitárias, rádios-poste e outras emissoras que manifestarem interesse em veicular o conteúdo. Para fazer parte da lista de distribuição, entre em contato pelo e-mail: [email protected].
Edição: Sarah Fernandes