Diante de um desmonte de políticas públicas para a agricultura familiar nos últimos anos, a busca por alternativas no agreste paraibano para amenizar o cenário é coletiva.
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No território conhecido como Polo da Borborema, que reúne 14 sindicatos da agricultura familiar, a articulação de Fundos Rotativos Solidários é uma das saídas para democratizar o acesso a inovações agroecológicas no Semiárido.
Em redes colaborativas junto às comunidades, agricultoras e agricultoras criam formas de ajuda mútua para estruturação de bancos de sementes comunitários, criação de pequenos animais, poupanças comunitárias, ou financiamento para aquisição de materiais como cercas de arame e fogões ecológicos.
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A estratégia ganha ainda mais importância na dificuldade de se acessar iniciativas importantes como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), Programa de Cisternas e acesso à créditos.
A definição de ações do Fundo é feita a partir de um diagnóstico de cada comunidade, apontando as necessidades coletivas.
"A gente faz um bom debate e elas [as famílias] vão trazendo as demandas. Daí começamos a conversar, dialogar, e ouvindo a gente começa a ver a necessidade. O Fundo Rotativo Solidário se dá de uma diversidade de demandas de cada famílias", explica Marizelda Silviano, do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Esperança e representante do Polo da Borborema na Rede Estadual de Fundos Solidários da Paraíba.
Mulheres
Os fundos solidários são importantes, sobretudo, para garantir maior autonomia às mulheres camponesas, que passam a ter maior poder de aquisitivo e de decisão sobre as próprias vidas, a partir da rede de apoio construída pela coletividade.
"Os Fundos Rotativos Solidários vêm cumprindo um papel na vida das mulheres, quando elas começam a se organizar e aí, quando elas vão se apropriando do conhecimento, vão trazendo pra si, se apropriando que elas são capazes de adquirirem, por elas mesmas, seja lá a tela, seja lá o fogão, que aí isso vai ampliando no conjunto as mudanças que a gente vê claramente nas vidas delas", ressalta Marizelda.
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Início
Em esperança, um dos municípios da região, a articulação teve início em 2019. O sindicato foi procurado para oferecer o suporte à comunidade que tinha como principal demanda a confecção de telas para a criação de galinhas.
A agricultora Lucia Andrade, gestora de um fundo solidário em Esperança, lembra o processo de consolidação do grupo na sua comunidade.
"Arrumou quatro apoios de kit de tela para a nossa comunidade. E daí foi o primeiro fundo rotativo da nossa comunidade, entraram 10 pessoas nesse fundo rotativo, e deu super certo. Definimos uma parcela no valor de no mínimo R$ 30 para pagar mensalmente e o valor das telas era, no caso, na época, R$ 520. Então, a pessoa tinha que quitar o valor todinho de R$ 520, contribuindo com a parcela mínima de R$ 30 reais", recorda Lucia.
Tecnologias
A experiência deu certo, o que fez com que muitas das famílias continuassem contribuindo com o fundo rotativo, que hoje já reúne cerca de 33 famílias no município. Além das telas, agora também funciona para o repasse de ovelhas e para a aquisição de fogões de lenha econômicos e ecológicos.
"A gente já fez uma porcentagem grande de fogão, de tela, e ainda tem gente na espera para ser contemplado. Fora as pessoas que sempre ficam procurando: 'ah, como é esse fundo rotativo? eu posso entrar? como é que a gente entra'. Ficam perguntando essas questões e a gente sempre trabalha com uma lista de reserva com os nomes das pessoas. Quando aquelas que já estavam antes são contemplados, aí a gente inclui as demais que estão na reserva", explica Lucia Andrade.
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Eficiência
Os Fundos Rotativos Solidários têm tido um papel importante para a geração de renda e a segurança alimentar das famílias do Polo da Borborema. A iniciativa também contribui para a valorização e a autoestima das mulheres camponesas, o acesso a bens necessários à vida - como a água -, e colabora de maneira integral para a Convivência com o Semiárido, mesmo se tratando de terras consideradas pequenas.
"A média de terra aqui é de três hectares, e olha que nós estamos falando de 5 mil famílias. Então tem pessoas que só tem o quintal. mas, se nesse quintal, essas mulheres tem área telada, uma cisterna de beber, uma cisterna de calçadão, e a sua produção de galinha, e até mesmo beneficiamento de hortaliças para a sua alimentação, isso fortalece demais a convivência", afirma explica Ivanilson Estevão, assessor técnico da AS-PTA, organização que atua junto às famílias para a consolidação dos fundos solidários.
Edição: Daniel Lamir