Tais atos não compactuam com a luta dos movimentos sociais e populares
Felipe de Araujo Chersoni*
A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, representante do campo democrático nas eleições presidenciais de 2022, foi marcada não somente por inúmeros atos comemorativos por todo o país. Logo na sequência do resultado final da apuração de votos, os descontentes organizaram diversas paralisações nas rodovias federais, a princípio, de caminhoneiros, que no feriado de finados, no dia 2 de novembro, quarta-feira, concentrou-se em frente a instituições militares (Exército e Policia Militar), entre outros locais.
Os atos, que contam com a queima de pneus, palavras de ordem de intervenção federal, utilização de crianças com cartazes, apelo a um golpe militar e até mesmo saudações ao regime nazista, passaram a ser filmados e tomaram conta das redes sociais, contando inclusive com o apoio de parte do campo da segurança pública, como a exemplo de policiais que foram flagrados apoiando-os de forma explícita (muito diferente do que acontece com atos de movimentos de trabalhadores).
Após um inédito silêncio, que durou mais de 43 horas, o atual mandatário se manifestou lendo uma “morna e confusa” carta, que durou cerca de 3 minutos. Nela, Bolsonaro não reconheceu abertamente a derrota para Lula e, ainda por cima, não colocou fim aos movimentos que vêm afetando de maneira negativa todo o País, ocasionando cancelamento de voos, falta de combustíveis e insumos basilares para a população.
Classificando a derrota como “injusta”, Bolsonaro alegou que “os atuais movimentos populares são frutos de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”. Afinal, um movimento que pede abertamente intervenção militar e faz apologia a movimentos nazistas (ambos os atos considerados crimes) pode ser considerado um movimento popular?
Adiantamos que a resposta é NÃO!
Nossa primeira argumentação é de que o movimento não foi organizado pela classe dos caminhoneiros. Conforme nota da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), os "caminhoneiros são reféns de grupos bolsonaristas armados".
Ademais, o movimento golpista não pode ser entendido como movimento popular, por ser caracterizado pela defesa intransigente de direitos sociais e que são mantidos por organizações de base. Direitos sociais, porque carregam a histórica luta por educação digna, alimentação adequada e de qualidade, proteção ao trabalhador e acesso à moradia, dentre outros. De base, porque carregam consigo a luta por direitos de sujeitos que historicamente tiveram negadas suas demandas, os sujeitos tidos como subalternizados.
Bem diferente disso, como se verificou nos atos, a principal pauta do movimento é uma intervenção das forças militares, fazendo alusão a um golpe de Estado que foi marcado por torturas e derramamento de sangue.
O campo dos Direitos e Movimentos Sociais, que se debruça a estar em parceria com os movimentos populares, é marcado por enfrentamentos que se propõem a modificar as históricas mazelas que caracterizaram a história brasileira, como as ameaças à frágil democracia burguesa, retiradas de direitos e um passado escravocrata aliado a processos de mercantilização da vida. Passado que os atuais atos vêm representando e reivindicando.
Por fim, fazer apologia ao nazismo é penalmente vedado no Brasil, enquadrando-se na lei 7.716/1989 que diz que é crime “Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”, Art. 20 § 1. São suas possíveis sanções reclusão de dois a cinco anos.
A postura de Jair Messias Bolsonaro, em seu morno pronunciamento, que como dito não aceitou abertamente a derrota, vem sendo criticada por diversas entidades a exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que em nota alegou que: "Os bloqueios realizados em rodovias de diversas unidades da Federação por pessoas que discordam do resultado das eleições são inaceitáveis, uma vez que a Constituição não admite manifestações que ataquem o Estado Democrático de Direito”.
Também suas barricadas vêm recebendo enfrentamento por diversos populares, a exemplo das torcidas organizadas de futebol.
Por tudo isso, cumpre dizer, a partir do campo dos Direitos e Movimentos Sociais, que tais atos não compactuam com a luta dos movimentos sociais e populares, e nada têm a contribuir com a histórica luta por acesso a direitos pelas pessoas subalternizadas.
*Felipe de Araujo Chersoni é mestrando em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (PPGD-Unesc); bolsista do Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Comunitárias (PROSUC-Capes); onde é pesquisador vinculado ao Grupo Pensamento Jurídico Crítico Latino Americano, na qual se subdivide no grupo de Criminologia Crítica Latino Americana - Andradiano (Unesc).
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
***Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.
Edição: Vivian Virissimo