Coluna

“A justiça não é cega, é racista!” ou uma defesa intransigente da política de ações afirmativas

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Defesa da política de ações afirmativas em todos os espaços, sejam eles os de formação, sejam os do mundo do trabalho, deve ser intransitiva, sem complemento e sem condições - Agência Brasil
Amarras coloniais seguem oprimindo as populações não-brancas do Brasil

Evaldo Gonçalves Silva*

Estamos em Novembro, mês da Consciência Negra e de Zumbi dos Palmares, um de tantos líderes que se movimentaram contra as amarras coloniais que seguem oprimindo as populações não-brancas do Brasil. Meu pensamento é um tanto quanto cíclico. Vou e volto, como Exu senhor dos caminhões, esfera que gera a vida e nos faz seguir adiante. Enugbarijó, a boca coletiva dos orixás. Ele que tudo come, a boca cósmica. E é a Exu que apelo. Brancos, se um concurso público destina vagas à política de cotas, não se inscrevam. Conclamo também à própria Universidade Federal de Goiás: revejam a estrutura dos seus concursos e realizem as bancas de identificação como primeira etapa dos certames para as vagas reservadas a candidaturas pretas, pardas e indígenas.

No último dia 8 de setembro, o juiz Urbano Lela Bequó Neto, da 8ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de Goiânia suspendeu a reserva de vagas em concurso para o cargo de docente do magistério superior, da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal de Goiás (UFG). O concurso da Universidade disponibilizou 15 vagas para as diversas unidades acadêmicas e uma das vagas reservadas para as cotas étnico-raciais foi destinada ao curso de Jornalismo da Universidade. Gabriela Marques Gonçalves foi aprovada e nomeada para a vaga, entretanto um branco questionou o resultado do concurso na justiça que suspendeu a nomeação de Gabriela e determinou que a Universidade nomeasse o candidato branco.

Indignados pela situação, o coletivo de estudantes cotistas da UFG se manifestou em um ato no teatro Belkiss Spencière, na Escola de Música e Artes Cênicas (Emac). O ato foi realizado durante atividade que contava com a presença da reitora da Universidade e do antropólogo José Jorge de Carvalho. A estudante de doutorado da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC), unidade para a qual se destinava a vaga, Zanza Gomes questionou  "Convido vocês a fazerem o teste do pescoço. Quantas pessoas negras estão aqui neste auditório, nesta mesa? Quantos professores e professoras negras existem nesta instituição?”

Em primeiro lugar, não consigo pensar no quão cansativa é a luta pela criação e manutenção de políticas de reparação do racismo que constituiu o Estado Brasileiro. Quase quatro séculos de sequestro e escravização de africanos usados como mão de obra barata e descartável na empresa colonial portuguesa e no Império do Brasil. A proibição de que populações afrodescendentes e indígenas fossem escolarizados nos sistemas públicos de Ensino. Os mesmos séculos de escravização de pessoas, indígenas, africanos e afrodescendentes foram tempo e espaço de luta e reivindicação por direitos dessas pessoas, que jamais se deixaram entregar. Antes vítima de banzo, do que passivos diante de tanta violência.

Eu poderia falar dos argumentos do candidato que judicializou o concurso, ou dos argumentos do juiz que concordou com estes argumentos e determinou a posse de homem branco, que reproduz em sua ação consciente, os séculos de exploração das pessoas racializadas, mas não argumentarei de forma contrária. Deixo apenas como sugestão a ação direta de constitucionalidade 41, que versa: os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas"

O Concurso da Universidade Federal de Goiás ofereceu 15 vagas, das quais 20% devem ser reservadas para a candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas, sem fracionamento, conforme a ADC 41. Nesse sentido, reitero que a defesa da política de ações afirmativas em todos os espaços, sejam eles os de formação, sejam os do mundo do trabalho, deve ser intransitiva, sem complemento e sem condições. A figura do juiz Urbano Lela Bequó Neto se torna nefasta no caso em questão, pois desrespeita a Lei de Cotas no serviço público; a autonomia da Universidade Federal de Goiás; as lutas dos movimentos negros e indígenas pela efetivação de direitos e a própria ADC 41.

Entretanto, não é só Berquó Neto que é uma figura nefasta. Digo o mesmo para o candidato Rodrigo Gabrioti de Lima: a vaga para professor de audiovisual e telejornalismo na Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da UFG não é sua. Gabriela foi aprovada dentro das regras e, mais uma vez, a branquitude insiste em usurpar posição de pessoas como Gabriela e como Ilzver Matos, cuja não nomeação na Universidade Federal de Sergipe também foi uma afronta às pessoas negras.

*Evaldo Gonçalves Silva, jornalista e membro da Comissão  Permanente de Políticas da Igualdade Étnico-Racial do IFG e do Conselho Municipal da Igualdade Étnico-Racial de Goiânia.

 

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

***Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.

 

 

 

Edição: Vivian Virissimo