Agroecologia

Hortas comunitárias em São Bernardo do Campo favorecem alimentação saudável e articulação negra

Projeto desenvolvido no bairro Cafezal fomenta a educação popular e a formação política em agroecologia nas periferias

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Lucimare paraticipa de projeto que integra valorização da comunidade, articulação negra e educação agroecológica - Pedro Stropassolas
Tivemos que fazer um tratamento no solo para conseguir plantar

A história do cultivo agroecológico no bairro do Cafezal, em São Bernardo do Campo (SP), é de uma retomada.

"Quando começamos a fazer o projeto de horta, a maioria das pessoas mais velhas teve o interesse de ajudar. Doamos semente para sempre relembrar essas histórias, de que eles se alimentavam através do que colhiam no quintal", afirma a horticultora Leiriane Aparecida Manoel, mais conhecida como Lika. 

O pai de Lika foi uma das principais lideranças comunitárias do Cafezal. Chegou no fim dos anos 1970, organizando a construção das primeiras moradias na comunidade. Hoje, o bairro cresceu, e é a filha que continua o legado de transformação.

"A população que vive nessa nessa área urbana ainda tem a dificuldade de entender que tudo que a gente plantar na nossa terra, principalmente numa terra tão forte que a gente tem, vamos colher um alimento de qualidade", ressalta Lika. 

Hortas e educação

Desde a pandemia, a UNEafro Brasil utiliza hortas comunitárias como ferramenta de educação e aproximação da população negra e periférica das questões ambientais. 

Essa é uma forma de valorizar o acesso dessa população a uma alimentação saudável.

Durante a crise pandêmica, 92% dos moradores de favelas no Brasil só conseguiram se alimentar por causa de doações, de acordo com pesquisa do Instituto Data Favela. Esse fato que impactou e impacta sobretudo a população preta, uma vez que 67% das pessoas que vivem em favelas no Brasil são negras.

"Nessa vida imediata que temos, sempre de urgências, é uma pauta que que vai sendo inserida aos poucos, para as pessoas irem entendendo a importância da agroecologia, de cuidar do espaço que você está de pensar numa maneira barata e de alimentação saudável. Então é uma pauta que vamos aos poucos e que as pessoas têm se apropriado muito disso, tem dado resultado e se aproximado mais. Então é uma maneira educativa de troca, de construção coletiva", explica Fabíola Carvalho, conhecida como Bio, coordenadora da UNEafro (SP). 

As hortas foram construídas na fase prática do projeto Juventude Negra Viva, que formou 69 pessoas até o final de 2021. A referência da iniciativa é fomentar a educação popular e a formação política em agroecologia nas periferias. 

"Quando chegaram, o pessoal da UNEafro encostou e perguntou se tinha condições de levar o projeto à frente e a gente abraçou a ideia. De querer plantar para poder colher uns frutos bons, para poder se alimentar bem. Porque a gente sabe a importância de se alimentar sem sem o agrotóxico", pontua o horticultor Jefferson Cicotti, conhecido como “Jé”.  

"O pouco ou muito ajuda, né? É uma salsinha, uma cebolinha, uma couve, uma rúcula, um almeirão, que é tudo isso daí que a gente planta, beterraba", lista Jé.

Desenvolvimento das hortas

Além da horta do Cafezal, há hortas comunitárias da UNEafro em Poá, e no bairro de Perus, na zona norte da capital paulista. 

"Aqui era uma área de mata fechada, uma área de eucalipto. Então a terra não é produtiva. Tivemos que fazer um tratamento no solo para conseguir plantar. Tudo que plantamos, conseguimos colher. Então a gente já plantou de tudo um pouco, a gente já fez várias doações aqui", destaca Lika, reforçando o processo contínuo de aprendizagem. "Temos minhocário, adubo. Aprendemos a fazer a plantação de adubação verde e a reutilizar os alimentos". 


O pai de Lika foi uma liderança comunitária em Cafezal na década de 1970 / Pedro Stropassolas

Lucimare Carmelita de Souza, moradora do Cafezal, relembra a importância dos alimentos colhidos na horta no período da pandemia.

"Foi uma grande ajuda porque foi tirado a prova da terra que você está morando. Foi de muita ajuda, ajudou muitas famílias e foi uma grande uma grande influência aqui na nossa comunidade", afirma Lucimare. 

A mãe solo sustenta 3 filhos com o trabalho como catadora de recicláveis. Na horta do Cafezal é voluntária e auxilia nas etapas de produção e manutenção do espaço.

"Você está em contato com a natureza, cuidando de um alimento que vai fazer bem para as suas crianças, para o futuro do nosso país, para nossa para os nossos netos, para os nossos bisnetos, para as famílias que vivem doente", ressalta Lucimare. 

Cafezal

O Cafezal é um dos 32 bairros do Montanhão. A última estimativa do IBGE é que vivem 104 mil pessoas na região, grande parte em situação de vulnerabilidade social. 

A Horta do bairro é integrada ao Cursinho Popular da UNEafro no Montanhão, onde os alunos e moradores estudam, pintam, leem livros e recebem cestas agroecológicas.

"A maneira de entender os alimentos, de manusear os alimentos, isso é muito ancestral. Então, a alimentação é ancestral, representa cuidado, afeto, coletividade. Então alimentação e pensar em hortas comunitárias é um resgate desse cuidado ancestral", destaca Fabíola.

Edição: Daniel Lamir