Estamos há quase um mês acompanhando as baixarias bolsonaristas referentes ao resultado do segundo turno das eleições presidenciais. Evidentemente, não são apenas manifestações. Trata-se de golpismo e de terrorismo. Os fascistas não sabem perder. É um truísmo que ultrapassa a nossa bolha. Temos que nos preparar com astúcia e mobilização para enfrentarmos as ameaças golpistas e as tentativas de desestabilização que devem ocorrer ao longo do terceiro governo de Lula. Como nas partidas de futebol, temos que acertar os passes, definir as táticas de jogo, não desperdiçar oportunidades de gol e, sobretudo, não marcar gols contra.
A vitória da seleção brasileira, em sua estreia na Copa do Catar, veio acompanhada de uma saraivada de críticas a Neymar e, na razão inversa, de elogios a Richarlison. Críticas e elogios que não se circunscreveram ao futebol e se dirigiram também ao comportamento dos atletas e seus posicionamentos sociais e políticos.
Como se sabe, Neymar apoiou Bolsonaro, com dancinha e tudo. Como cidadão, antes de ser atleta de futebol, e como outros 58 milhões de brasileiros, apostou na manutenção do genocida na presidência.
Uma parte desses eleitores está fortemente infectada pelo vírus fascista. Nesse grupo, pessoas portam armas na cintura, ameaçam e agridem adversários, defendem a tortura e a eliminação dos esquerdistas, propõem medidas restritivas e socioeducativas contra a diversidade sexual, defendem o exercício da violência física sobre as mulheres e outras atrocidades mais. Em suma: estimulam o ódio e a violência a ponto de ser difícil reconhecer nelas algum traço de humanidade.
De outro lado, entre uma grande parte dos eleitores de Bolsonaro há pessoas que votaram por ignorância, por medo, por repulsa à corrupção associada ao PT e às esquerdas, por pressão familiar e das igrejas que integram, por alienação, por falta de sensibilidade e outras boçalidades mais.
Muitos desses eleitores apoiaram Lula e o PT em um passado recente. Muitos deles acreditaram e acreditam na massacrante propaganda antipetista que reeditou os fantasmas e paranóias anticomunistas do século XX.
Presumo que muitos podem ser esclarecidos sobre a farsa bolsonarista/lavajatista, sobre a necessidade da preservação das instituições democráticas e sobre a importância de reformas sociais inclusivas. Precisamos disputar esses cidadãos e não tratá-los como inimigos fascistas.
Não sei exatamente em qual grupo Neymar se encaixaria. Uma análise mais aprofundada vai identificar mais grupos de eleitores bolsonaristas. Mas parece ser um grande equívoco perseguir Neymar como fazem os seus adversários de jogo, dando botinadas, estimulando as agressões e desejando que ele se contunda e seja retirado de campo.
Parte dos eleitores de Lula e alguns integrantes da coligação vitoriosa fizeram isso em manifestações registradas pela imprensa e pelas redes sociais.
Os bolsonaristas estão tentando um terceiro turno no tapetão. Alguns companheiros de esquerda estão insinuando um terceiro turno em campo: Neymar (Bolsonaro) x Richarlison (Lula). As comparações são desmedidas sob todos os aspectos, vingativas, imaturas e absolutamente desnecessárias.
Mais ainda: são contraproducentes. Passamos os últimos anos perdendo os vestiários para os discursos conservadores e fascistas. Durante a campanha presidencial obtivemos apoios de ex-atletas destacados na história do esporte brasileiro. Mas não tivemos o mesmo êxito com os atletas em atividade. Pelo contrário.
Manifestações ostensivas contra Neymar, além de descabidas podem reforçar uma solidariedade corporativa entre os esportistas e até mesmo afetar Richarlison, que manifestou posicionamentos admiráveis até o momento.
Para além do maniqueísmo infantil, que visa estimular uma rivalidade simbólica entre os dois atletas, precisamos saber ganhar.
Vencemos a mais importante eleição da História do país, mas precisamos ampliar nossa base de apoio não apenas no jogo de cartas marcadas do Parlamento mas com maior capacidade de mobilização social.
A extrema direita e a direita transformaram seus eleitores em militantes ativos, obstinados. São chucros, alucinados, delirantes, boçais. Mas correm o campo todo além do tempo regulamentar.
Nossa militância inteligente não precisa correr pelo campo desabalada e atabalhoada. Mas não deve procurar cascas de banana para escorregar.
Além das lutas eleitorais, sabemos da importância das lutas sociais cotidianas. Precisamos ganhar as próximas eleições e as próximas lutas políticas que serão duríssimas.
Precisamos saber ganhar.
* Flavio Campos é professor do Departamento de História da USP e coordenador científico do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Futebol e modalidades Lúdicas (Ludens/USP)
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Felipe Mendes