MAR PARA BOLÍVIA

Corte de Haia decide que Bolívia e Chile têm direito igual sobre rio que dá saída ao mar

Acesso ao mar é demanda histórica da Bolívia e foi determinante para ruptura de relações diplomáticas com Chile em 1978

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Rio Silala, que deu origem ao processo judicial, nasce na Bolívia e atravessa o Chile até desaguar no Oceano Pacífico - Aizar Raldes / AFP

Bolívia e Chile estão mais próximos de retomar suas relações diplomáticas. Nesta quinta-feira (1º), a Corte Internacional de Justiça (CIJ) determinou que as águas do rio Silala, que nasce no território boliviano e atravessa o Chile, deve ser considerado um curso de águas internacionais e, portanto, ambas nações devem acordar o uso equitativo da via fluvial. 

"Ambas as partes também acordam que têm direito equitativo e razoável das águas do rio Silala, segundo o direito internacional constitudinário. Não compete à Corte tratar uma diferença de opiniões sobre possíveis usos futuros das águas", declarou a juíza Joan Donoghue.

A decisão coloca fim a seis anos de litígio entre Chile e Bolívia. O processo foi iniciado pela parte chilena, em 2016, durante a gestão de Michelle Bachelet, que reivindicava o controle total do Estado chileno sobre o rio. Em 2018, a Bolívia, sob governo de Evo Morales, ingressou com um novo pedido requerindo que as águas do Silala fossem consideradas de curso internacional e que seu uso por parte do Chile não prejudicasse a parte boliviana, mas que no entanto a própria Corte regulamentasse o uso do afluente. 

"A estratégia de defesa da Bolívia prevaleceu. A partir desta sentença, a Bolívia exercerá os direitos que possui sobre as águas do Silala", declarou o chanceler boliviano Rogelio Mayta. 

Ainda que o caso tenha sido aberto na CIJ em 2016, a tensão entre os dois países pelo uso das águas do Silala e o acesso ao Oceano Pacífico para a Bolívia remontam ao século 19.

Em 1879, após uma guerra contra o Chile, a Bolívia não perdeu só seu acesso ao mar, 120 mil quilômetros quadrados de territórios ricos em minérios e 400 quilômetros de costa, mas também a oportunidade de exportar cobre, lítio, prata e outros recursos de grande valor no mercado mundial.

Essa condição, que deixa o país cercado, causou perdas econômicas que atualmente chegam a 2% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estudos citados por especialistas do Banco Central da Bolívia.

Já em 1978, Chile e Bolívia romperam relações diplomáticas devido à disputa pelo acesso ao mar. Em 2013, o governo de Evo Morales abriu um processo no Tribunal de Haia contra o Chile, exigindo direito de acesso ao mar, e reivindicando o controle das terras anexadas após a Guerra do Pacífico. Cinco anos mais tarde, em outubro de 2018, a Corte decidiu que o Estado chileno não tinha obrigação de oferecer uma saída marítima para a Bolívia, mas sugeriram o diálogo.

"Bolívia resolveu a controvérsia com um povo irmão graças ao trabalho baseado em estudos científicos e nossa estratégia de relações internacionais. Continuaremos este trabalho em benefício dos povos", disse o presidente Luis Arce.  

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Já o presidente Gabriel Boric destacou que a decisão reconhece o direito chileno sobre o rio.

"Se confirma nossa pretensão, que era caracterizar o caráter jurídico das águas do rio Silala para desfazer qualquer disputa entre Estados vizinhos. Também é muito importante que a decisão reconhece que o uso feito pelo Chile das águas do Silala estão de acordo com o direito internacional e que não devemos nenhuma compensação ao Estado boliviano", destacou Boric. 

O presidente chileno também tentou diminuir as polêmicas. "Obtivemos a certeza jurídica que buscávamos e os assuntos em disputa estão resolvidos sob direito internacional", disse.


Presidente chileno Gabriel Boric celebrou a decisão do Tribunal de Haia que reconhece o rio Silala como um curso de águas internacionais / Marcelo Segura / AFP

Agenda comum

Desde que assumiu a presidência do Chile, Gabriel Boric manifestou o interesse em resolver as polêmicas com a Bolívia para restabelecer a diplomacia com o país vizinho. Durante a 60ª Cúpula do Mercosul, realizada em junho no Uruguai, a chanceler chilena, Antonia Urrejola, e seu homólogo boliviano, Rogelio Mayta, assinaram um memorando para retomar a comissão bilateral que discutia a normalização das relações diplomáticas entre os dois países em cima de uma agenda de 13 pontos criada ainda nos governos antecessores de Michelle Bachelet e Evo Morales, que inclui segurança fronteiriça, integração física, livre trânsito e controle de atividades ilícitas.

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Já neste ano, no dia 23 de março, considerado o Dia do Mar na Bolívia, Arce reiterou que o "direito ao mar é irrenunciável", mas destacou que a decisão da Corte de Haia não deveria ser considerada uma derrota. "[A decisão] abre um novo cenário para o diálogo bilateral, no qual o ciclo de enfrentamentos foi superado e se inicia uma fase de aproximação baseado na integração de povos irmãos."

"A vontade do nosso país é seguir trabalhando com a República irmã da Bolívia, após resolver essa questão, com espírito de boa vizinhança, colaboração e integração. Queremos focar no que nos une e não no que nos separe, potencializando nossa cooperação pelo desenvolvimento dos nossos países e povos", disse Boric nesta quinta, após a decisão do Tribunal de Haia.

Edição: Glauco Faria