No ano de 2022, a porcentagem de adultos estadunidenses que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros ou que simplesmente não se entendem heterossexuais aumentou para um novo recorde de 7,1% – o dobro da porcentagem registrada de 2012, quando a agência Gallup começou a fazer esse tipo de levantamento.
Ironicamente – e infelizmente –, foi também neste ano que os Estados Unidos bateram o recorde de projetos de leis contra a população LGBTQIAP+. "Foram mais de 200 propostas enviadas ao poder legislativo", conta à reportagem do Brasil de Fato o diretor de comunicação da ONG Equality California, Jorge Reyes Salinas.
Entre as propostas aprovadas este ano estão a lei "Direito Parental na Educação", assinada em março pelo governador da Flórida, o republicano Ron de Santis. De acordo com o texto desta nova regra, professores de escolas públicas são proibidos de discutir identidade de gênero e orientação sexual em sala de aula.
No Texas, administrado pelo também republicando Greg Abbott, uma proposta quer classificar como abuso de menores o tratamento médico dado de afirmação de gênero oferecido às crianças trans. Se aprovada, essa lei pode colocar na cadeia pais, médicos e outros profissionais da saúde que atuem na causa.
Outras tantas propostas contra a população LGBTQIA+ dos EUA seguem em debate em diversos estados do país, mas o que todas elas têm em comum é que são defendidas quase exclusivamente por republicanos.
"Acho que toda minoria vira um símbolo ou objeto de barganha ou ferramenta política. Vemos isso acontecer com os imigrantes, com pessoas negras… minorias são uma moeda de troca há anos na política dos Estados Unidos. Agora, por algum motivo, a extrema direita do país acredita que o ataque à comunidade LGBTQ pode ser a passagem deles para a Casa Branca", afirma Salinas.
Ainda de acordo com o pesquisador, o aumento da legislação anti-LGBTQIA+ no país mais rico do mundo acontece na esteira de um governo republicano e raivoso, como foi o de Donald Trump, que chegou ao poder com uma campanha antiminorias.
"Trump deu o empurrão final ao ódio e à violência de pessoas que literalmente estavam apenas esperando por isso. Ele apenas clicou o play e deixou tudo entrar em erupção. Mesmo que Donald Trump não esteja mais por perto e que as pessoas o considerem meio louco e absurdo, você ainda tem gente como Ron DeSantis e Greg Abbott, que estão usando o mesmo tipo de retórica para direcionar o ódio", continua o comunicador. "Agora, todo mundo sabe que a linguagem é a ferramenta mais poderosa do mundo: quando você reúne e dá voz a pessoas com tanto ódio, as consequências vêm", pontua.
As consequências de todo esse discurso e movimentação judicial nos Estados Unidos chegou com cinco mortos e 19 feridos em uma boate em Colorado Springs. No último dia 19 de novembro, um atirador abriu fogo contra pessoas que só estavam se divertindo no clube noturno, refúgio da população LGBTQIA+ na pequena cidade no estado do Colorado.
Essa tragédia recente nos lembra que, nos EUA, pessoas LGBTQIA+ estão quase quatro vezes mais propensas do que as pessoas não-LGBTQIA+ a sofrer algum tipo de violência, incluindo estupro, agressão sexual e agressão agravada. Os dados são de um novo estudo do Instituto Williams, da Escola de Direito da UCLA. De acordo com o documento, as pessoas deste grupo são mais propensas a sofrer violência tanto por parte de alguém conhecido, quanto nas mãos de um estranho.
Os pesquisadores analisaram dados da Pesquisa Nacional de Vitimização de Crimes de 2017, os primeiros dados de vitimização criminal abrangentes e representativos nacionalmente a incluir informações sobre orientação sexual e identidade de gênero dos entrevistados.
Para Salinas, essa disparidade nos índices de violência deve continuar e até piorar à medida que o discurso de ódio ganha força, seja pelo enfraquecimento da moderação, como visto no Twitter sob Elon Musk, ou sob a falsa narrativa de proteção à liberdade de expressão.
"O ponto principal é a conexão inegável que existe entre a retórica violenta e odiosa e os ataques violentos. Houve a retórica contra drag queens e shows de drag, por exemplo, que resultou em mais de 130 ataques indiretos a shows de drags. Isso não é coincidência; está tudo conectado e é isso que queremos que as pessoas entendam: que esse discurso tóxico é um ato de violência contra a comunidade LGBTQ. Estou falando da comunidade gay, mas isso vale para qualquer comunidade – onde há discurso de ódio, pode apostar, também haverá crimes, inclusive contra a vida".
Edição: Thales Schmidt