O ensaio da indicação de Múcio Teixeira para o ministério da Defesa que, ao lado da inteligência, são as únicas pastas a atropelar o governo de transição, tem muitos significados.
O primeiro é que confirma a ação coordenada de generais da ativa e da reserva nos atos antidemocráticos em frente aos quartéis. Há uma clara liderança do vice-presidente Hamilton Mourão e do general Eduardo Villas Bôas. Nos bastidores, Augusto Heleno, no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Braga Netto, com seu comitê do golpe em Brasília, cuidam do quartel para fora, enquanto os atuais comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica protegem as agitações em frente e dentro dos quartéis, assim como alimentam a mitologia autoritária do poder moderador.
Análise: O desafio da desmilitarização: da transição ao governo
Como toda operação dissuasória, tentam aparentar um poder que não possuem: dar um golpe de Estado. Porém, demonstram a disposição de serem agentes fortes de desestabilização do futuro governo. Mas em troca de quê? Querem a chave do Ministério da Defesa e do Gabinete de Segurança Institucional.
O segundo significado é que o futuro governo Lula está se equilibrando em espinhos para poder governar. Além do empresariado no Congresso Nacional, sofre pressão constante do tal mercado para entregar a chave do ministério da Economia.
Com isso, não é difícil ver o drama do futuro governo: temos força para enfrentar três oposições estratégicas, mantendo a capacidade de governar em condições adversas e sob pressão por resultados econômicos imediatos? Nesta conta, entra a vitória apertada, que mitiga a regra dos 100 primeiros dias: momento certo para um novo governo promover mudanças.
Nessa esquina histórica, tem faltado o povo. Mantida a pressão apenas no andar de cima, enquanto nas ruas há somente uma minoria clamando por golpe, o trabalho democrático fica comprometido.
Parece razoável a leitura de que no primeiro tempo de governo não haveria condições de mudanças estruturais nas relações civis militares. Há um labor anterior, de debater a missão das Forças Armadas, para aí sim mudar a organização dela.
Porém, perder a autoridade com a solução Sarney - nomeando Múcio - será contratar o fim dessa possibilidade e, o que é pior, viver sob constante chantagem institucional. É hora de escolher, pois toda escolha será uma renúncia.
*Rodrigo Lentz é advogado, professor de ciência política da UnB e pesquisador do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo