Após uma longa negociação, que seguiu até a madrugada desta terça-feira (06/12), a União Europeia aprovou, em decisão histórica, a regulação que proíbe a entrada no mercado europeu de commodities produzidas em áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020.
O novo marco legal representa um avanço, se comparado às versões anteriores do texto legal, no entanto, deixa uma lacuna preocupante ao não contemplar, nessa primeira versão, os ecossistemas não florestais, como o Pampa e áreas dos biomas Cerrado, Pantanal e Caatinga.
Nós, da Rede Cerrado, reconhecemos a decisão da Comissão, Conselho e Parlamento Europeus como um importante avanço, uma vez que amplia a lista de produtos a serem barrados em caso de descumprimento da legislação: carne bovina, café, cacau, óleo de palma e madeira. Além de itens que contenham ou advenham de animais que tenham sido alimentados com eles, o que inclui couro, óleos, chocolate, móveis, papel, borracha, carvão e outros. No entanto, enxergamos com muitas ressalvas a não inclusão dos ecossistemas não florestais (Other wooded lands).
A União Europeia firmou o compromisso de incluir essas áreas na revisão da legislação, prevista para daqui a um ano, mantendo a data de corte definida na negociação: 31 de dezembro de 2020. Será um longo período em que haverá um aumento da pressão para o desmatamento no Cerrado, que já é o bioma mais desmatado e ameaçado do Brasil. Há também o risco que os conflitos violentos por terra sejam intensificados e apresentem novas ameaças aos povos e comunidades tradicionais associados a expansão agrícola.
Outro ponto relevante é que sem a inclusão dos ecossistemas arbóreos não-florestais, a lei europeia protege apenas 26% do Cerrado e deixa de cumprir o objetivo inicial de eliminar o desmatamento dos produtos que consome. Isso porque a maior concentração de degradação ambiental nas commodities importadas pela Europa está associada à soja produzida no Cerrado, que contribuiu para o aumento de 35% do desmatamento nos últimos dois anos (16.437 km²).
Para agravar ainda mais a situação, mais de 4,2 Gt CO2 já foram emitidos da vegetação primária nesta que é a maior fronteira agrícola do mundo desde 1990 - o que equivale a mais de 6 anos de emissões da União Europeia do setor de energia e contribui para o triste cenário climático do Planeta. O Cerrado é o bioma mais impactado pelo consumo europeu, com destaque para o desmatamento causado pela soja e a pecuária bovina. E por isso, acreditamos a Comissão Europeia precisa realizar estudos de impacto e fazer uma revisão, o quanto antes, do escopo da lei, ampliando para a inclusão dos ecossistemas não-florestais.
Nós, da Rede Cerrado temos repetidamente solicitado a inclusão dessas áreas no escopo legal (Carta dos Povos do Cerrado para a União Europeia, Sobre proteção urgente do Cerrado e outros ecossistemas naturais e Lei antidesmate da EU pode ir a voto dia 5, sem o Cerrado). Também, no mês passado, mais de 90 organizações da Sociedade Civil e da Academia assinaram um Manifesto pedindo ações urgentes para um futuro climático abaixo de 1,5°C, como o fim do desmatamento em ecossistemas não florestais.
Também, acreditamos que o futuro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve, a partir de agora, se posicionar com maior comprometimento na defesa e conservação do Cerrado, Pantanal, Caatinga e Pampa e de seus povos e territórios. Nesse sentido encaminhamos uma série de medidas a serem implementadas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) para conservação e defesa do bioma. O documento traz contribuições para os primeiros 100 dias de 2023 e destaca medidas em caráter de urgência, tais como o controle do desmatamento e a retomada do Plano de Ação para Prevenção e o Controle do Desmatamento no Cerrado - o PPCerrado.
Além do desmatamento zero, seja legal ou ilegal; A garantia de recursos anuais para o monitoramento permanente do desmatamento do Cerrado pelo INPE; A consolidação da Política Nacional de Manejo Integrado e Adaptativo, Prevenção e Controle do Fogo (MIF); A criação de metas específicas relacionadas à redução de emissões de gases de efeito estufa a partir da destruição do Cerrado; A recuperação de áreas degradadas por meio da restauração ecológica inclusiva do Cerrado com geração de benefícios ambientais, sociais e econômicos.
A crise planetária que vivemos exige medidas firmes e urgentes para o bem comum de toda a humanidade e não pode depender de interesses políticos ou corporativos de grupos pontuais, em países produtores. No Brasil, onde há recorrentemente anistias legais a desmatadores e grileiros, é preciso a adoção de práticas consistentes para combater crimes ambientais, sob risco de inviabilizar não só a exportação para a União Europeia, como para outros países e blocos, que avançam na elaboração de legislações similares.
*Maria de Lourdes de Souza Nascimento é Coordenadora Geral da Rede Cerrado
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Durão Coelho