intimidação

Comunidades de fundo e fecho de pasto denunciam violência de fazendeiros no oeste da Bahia

Construções destruídas, animais mortos, ameaças: tensão aumentou no período eleitoral

Brasil de Fato |

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Integrantes das comunidades denunciam violência: estruturas foram destruídas - Acervo pessoal

Centenas de famílias que há gerações criam animais em áreas nativas do Cerrado no interior baiano denunciam que estão sob ameaça de milícias rurais e pistoleiros. Comunidades tradicionais de fundo e de fecho de pasto, que sobrevivem do extrativismo e da agricultura de subsistência, sofrem ameaças e expropriações em regiões dos municípios de Correntina e Santa Maria da Vitória, a cerca de 800 quilômetros de Salvador.

Integrantes das comunidades ouvidos pelo Brasil de Fato sob condição de anonimato relataram momentos dramáticos vividos pelas famílias. Os grupos são compostos, em sua maioria, por pessoas que nasceram e cresceram na região, onde as comunidades estão instaladas há cerca de 300 anos.

"Sou filho de um fecheiro, meu pai era fecheiro, e desde os 6 anos de idade eu frequentei o fecho, trabalhando com meu pai. Hoje estamos sendo ameaçados. Fizemos uma cerca, eles destruiram nossa cerca; fizemos a cerca de novo e veio outra destruição. Nós tínhamos um rancho de palha, eles colocaram fogo. A gente construiu um rancho de telha e resolvemos fazer uma casa de bloco, com cimento, ferragem, e tornaram a derrubar. Cortaram a ponte que chega à nossa casa", disse um dos denunciantes.


Segundo integrantes da comunidade, até mesmo uma pequena ponte foi destruída a mando de fazendeiros / Acervo pessoal

Cerca de 500 famílias se organizam em aproximadamente 20 comunidades de fecho e fundo de pasto que se espalham pelas áreas conhecidas como Capão do Modesto; Porcos, Guará e Pombas; Cupim; Vereda da Felicidade; e Bois, Arriba e Abaixo.

De acordo com representantes das comunidades, a região, que fica no oeste da Bahia, tem histórico de conflitos, partindo do agronegócio contra as comunidades tradicionais, pelo menos desde a década de 1970. A violência se acentuou nos últimos anos, com a expansão do agronegócio. Nos últimos três meses, especialmente no período eleitoral, aumentaram as ocorrências de ataques com pistoleiros, segundo as denúncias. Alguns animais foram mortos.


Animais foram abatidos por pistoleiros, segundo denúncia de integrantes das comunidades / Acervo pessoal

"Nossos pais e avós já começaram a sofrer com a violência no nosso fecho, com a chegada do agronegócio, com plantio do eucalipto, a monocultura. Eles vieram para tirar a vegetação nativa do Cerrado e plantar pinho e eucalipto. Algumas pessoas desistiram, por que a violência foi muita, as agressões foram muitas, pistolagem, o pessoal foi expulso de dentro do território", contou outro fecheiro, que pediu para não ser identificado.

Apesar das agressões e da intimidação, a comunidade resistiu. Os grupos criam os animais soltos, em áreas de grande extensão, e duas vezes por ano fazem o deslocamento dos rebanhos em busca das áreas com maior oferta de água e alimento.

"Todo dia é um crime diferente dentro desses fechos, parece que é orquestrado. Parece que eles querem finalizar com essa geração de pessoas que tem essa tradição de usar o Cerrado para pastoreio dos animais", afirmou o fecheiro.

As comunidades destacam que os locais em disputa são ocupados há pelo menos sete gerações. Apesar de fazendeiros afirmarem que os terrenos fazem parte de propriedades privadas, as áreas são constituídas por terras públicas devolutas estaduais, que foram indevidamente apropriadas.

Os integrantes das comunidades denunciam o aumento do desmatamento. A área, que faz parte do Cerrado, um dos principais biomas do país, tem ainda vários riachos e veredas, que alimentam diversos rios da região, incluindo o São Francisco.

O movimento que apoia a luta dos fecheiros acionou o governo da Bahia e órgãos como o Ministério Público e a Polícia Civil. Houve poucas respostas. Após várias semanas, o governo baiano confirmou o recebimento de ofício enviado pelo grupo, e informou sucintamente que "o referido pleito foi encaminhado às Secretarias competentes, para análise".

O Brasil de Fato entrou em contato com o governo baiano em busca de posicionamento, mas não recebeu resposta. Caso haja retorno, o texto será atualizado.

A luta das comunidades já rompeu as fronteiras do país. Em agosto o Brasil de Fato mostrou que as comunidades acionaram o Parlamento Europeu em busca de apoio contra a devastação. A luta conta ainda com a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, que agrega dezenas de organizações e foi lançada em 2016.

O caso também foi debatido em Sessão Especial em Defesa dos Territórios do Cerrado no Tribunal Permanente dos Povos, que afirmou que o caso dos fundos e fechos de pasto do Oeste da Bahia é expressão concreta dos crimes de Ecocídio e Genocício no Cerrado.

"É o nosso meio de sobrevivência. Nós dependemos do Cerrado, e também tem os frutos que nós colhemos em determinadas épocas do ano. Tem diversos frutos, raízes medicinais, nosso povo tem curas alternativas, com remédios naturais, os mais velhos são conhecedores dessas ervas que servem para cura de nossas doenças. Nosso povo acredita muito na cura alternativa. Esse é o nosso meio de vida em nosso território", resumiu um dos fecheiros.

Edição: Glauco Faria