Esse país tem uma dívida com a sua população idosa
O grupo de trabalho da área de saúde no governo de transição recebeu da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) um documento que mostra a urgência de retomar políticas de proteção à terceira idade. Assinado pelo Comitê de Saúde da Pessoa Idosa da Fiocruz, ele traz propostas que pretendem contornar o desmonte sofrido nos últimos anos.
São ações consideradas "urgentemente necessárias", com sugestão de implementação já nos primeiros 100 dias do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desde 2019, o Brasil não tem garantias de acesso e participação da sociedade civil na idealização e na promoção de políticas públicas para essa população.
Não é exagero dizer que o governo de Jair Bolsonaro (PL) atuou diretamente no enfraquecimento da rede de proteção que já existia. Ainda no primeiro semestre em que ocupou o Palácio do Planalto, ele extinguiu o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI).
A decisão veio com o desmantelamento total da Política Nacional de Participação Social (PNPS), quando Bolsonaro decretou o fim de conselhos sociais em diversas áreas. O atual ocupante da presidência da república foi impedido pelo Supremo Tribunal Federal de levar a ideia em frente.
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Mesmo com a obrigatoriedade de manter essas instâncias de participação popular, a gestão de extrema direita esvaziou os espaços, diminuiu o tamanho dos grupos e tirou as representações da sociedade civil.
Uma das propostas consideras essenciais pela Fiocruz é a recomposição do CNDI. Na lista de medidas prioritárias estão também ações de proteção à saúde, monitoramento das condições de vida para produção de dados, pesquisas e políticas, formação de cuidadores e cuidadoras, garantias de segurança e combate ao preconceito.
Daniel Groisman, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), explica que o assunto é intersetorial, portanto, exige medidas em diversas frentes. Ele destaca a necessidade de criação de um grupo de trabalho para elaboração de uma política nacional integrada de cuidados.
"Entendemos que uma política nacional de cuidados está estruturada em alguns eixos. Por exemplo, a necessidade de criação de um serviço público com cuidadores de idosos domiciliares. A implantação de medidas voltadas para fortalecer a rede de apoio das pessoas cuidadoras, grupos de apoio nos equipamentos das políticas públicas. A criação de estratégias que possam proteger financeiramente familiares que se dedicam ao cuidado, sobretudo aqueles que o fazem em tempo integral. A necessidade é de uma política de educação permanente. Tanto para os profissionais de saúde em temas relacionados ao campo da saúde da pessoa idosa, quanto para cuidadores, que necessitam urgentemente de maior acesso à informação, formação, qualificação, orientações e apoio."
Pandemia e crise
As sugestões endereçadas ao governo de transição incluem políticas para cobrir o apagão de ações dos últimos anos. O desmonte promovido pelo atual governo reforça as consequências que crises econômicas, sanitárias e sociais já causam à população idosa.
Sem contar com políticas públicas, o impacto desses acontecimentos é ainda maior para a terceira idade. Ela sofre mais com o desmantelamento da rede de atenção primária, o negacionismo científico e a carestia.
"Desde 2016, temos um cenário de retração nas políticas públicas, o que inclui as políticas voltadas para a promoção da saúde e proteção aos direitos da pessoa idosa. Isso se acentuou nos últimos 4 anos e, não por acaso, a população idosa brasileira é uma das mais atingidas no mundo inteiro pela covid-19. Esse impacto da pandemia se dá não apenas pelas falhas na gestão dessa situação de crise social, sanitária e humanitária, mas também pela ausência de políticas robustas voltadas para esse segmento da nossa população", alerta Groisman.
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Segundo o pesquisador da Fiocruz, a ausência de investimentos em saúde aumenta a demanda por atendimento de doenças graves e gera um custo econômico considerável para o Brasil. "Esse país tem uma dívida com a sua população idosa, por tudo o que ela sofreu na pandemia de covid-19. Essa dívida é também um compromisso com as gerações futuras que ainda envelhecerão", concluí ele.
Edição: Nicolau Soares