Regulação proibirá importação de produtos oriundos de áreas da Amazônia desmatadas após dezembro de 2020. Especialistas saúdam a normativa, mas temem que ela incentive a derrubada de matas do Cerrado e outros biomas.
O acordo obtido na União Europeia (UE) nesta terça-feira (06/12) para aprovar uma regulação que proíbe a importação de produtos oriundos de áreas florestais tropicais desmatadas após dezembro de 2020 teve uma recepção mista por parte de organizações brasileiras de defesa do meio ambiente.
Elas saudaram a iniciativa como um importante marco global no combate ao desmatamento, mas criticaram o escopo geográfico da norma, que no Brasil abrange somente a Amazônia. Ficaram de fora o Cerrado, onde é produzia a maior parte das commodities brasileiras exportadas para UE, e outros biomas.
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A normativa estabelece que Estados-membros da UE não poderão comprar cacau, café, soja, óleo de dendê, madeira, carne bovina e borracha, assim como vários materiais associados, como couro, chocolate e carvão vegetal, produzidos em áreas do bioma amazônico recém-desmatadas.
As empresas importadoras deverão demonstrar, por meio de relatórios de auditoria, que suas cadeias de fornecimento estão livres de desmatamento, e indicar quando e onde as commodities foram produzidas.
Elas também deverão comprovar que os direitos dos povos indígenas foram respeitados durante a produção das mercadorias. O não cumprimento pode resultar em multas de até 4% do faturamento de uma empresa em um país da UE.
Cerrado e outros biomas desprotegidos
O texto da UE rejeitou uma proposta para incluir outras áreas florestais em seu escopo, o que deixará 74% do Cerrado brasileiro fora da proteção. Entidades de defesa do meio ambiente receiam que esse desenho normativo irá provocar ainda mais pressão sobre o Cerrado e ampliar o seu desmatamento.
Guilherme Eidt, assessor de Políticas Públicas do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), salientou, ao Observatório do Clima, o risco de que o regulamento da UE intensificará o desmatamento do Cerrado, em especial se o acordo de livre comércio entre o bloco e o Mercosul entrar em vigor.
"A normativa deve servir de anteparo, um tipo de salvaguarda ambiental, para destravar o acordo UE-Mercosul. E o resultado disso para o Cerrado será uma maior aceleração do desmatamento e violação de direitos de povos e comunidades tradicionais", afirmou Eidt.
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"Mais uma vez o Cerrado é colocado como bioma de sacrifício. Os europeus deram uma sinalização importante para o mundo, mas perderam a oportunidade de fazer uma lei efetiva. O Cerrado é a principal fonte de desmatamento importado pela Europa hoje. Para nós, aumenta o risco do esgarçamento dos recursos hídricos, crise de abastecimento d'água e energética para os maiores centros urbanos do país, e o acirramento da violência no campo", disse o assessor do ISPN.
Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF Brasil, também criticou a não inclusão do Cerrado no regulamento, mas saudou a iniciativa de forma geral e projeta que ela terá impacto positivo no combate ao desmatamento.
"A aprovação da legislação europeia é um marco importante na luta pelo fim do desmatamento. Ainda que devesse ter incluído o Cerrado para ter um efeito mais amplo no Brasil, foi importante que o texto final reconheceu e incluiu o direito dos povos indígenas", afirmou. "Para o Brasil, é uma mensagem clara e inequívoca de que o único caminho para a prosperidade do agronegócio é eliminar, o mais rápido possível, o desmatamento e a conversão das cadeias produtivas."
Um grupo de ONGs internacionais e brasileiras havia pedido em março à UE a proibição de todas as importações vinculadas ao desmatamento, incluindo biomas como o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal e o Pampa – mas não teve sucesso no pleito.
No entanto, a normativa da UE prevê que a lei seja revista um ano após a entrada em vigor para reavaliar a inclusão de outras áreas florestais. Em dois anos, também haverá uma revisão para discutir a inclusão de outros produtos na restrição, como o milho.
Direitos humanos
Algumas entidades de defesa do meio ambiente aprovaram a inclusão do respeito aos direitos indígenas no regulamento, mas pontuaram que o texto poderia ter sido mais ambicioso e contemplar a observância de convenções internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que protege os povos indígenas.
A normativa da UE determina que o respeito aos direitos humanos será observado de acordo com as leis nacionais.
"A legislação europeia está longe de ser perfeita, mas ela dá um sinal importantíssimo para o mundo inteiro: o desmatamento não deve mais ser tolerado", disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. "Daqui para a frente os mercados se fecharão a quem destruir ou degradar florestas."
Impacto global
O regulamento do bloco é o primeiro do tipo no mundo e visa conter e reverter o desmatamento até 2030, uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa que impulsionam as mudanças climáticas.
Os países-membros da UE serão obrigados a realizar verificações de conformidade abrangendo 9% das empresas que exportam de países com alto risco de desmatamento, 3% de países de risco padrão e 1% de países de baixo risco.
É possível, também, que a normativa seja usada como referência no futuro para a formulação de políticas contra o desmatamento por outros grandes importadores de commodities, como Estados Unidos e China.
A UE é responsável por 16% do desmatamento mundial por meio das importações – e é o segundo maior destruidor de florestas tropicais depois da China, de acordo com dados da WWF.
Países como Brasil, Indonésia, Colômbia e Malásia criticaram o plano do bloco europeu e argumentaram que as regras são muito rígidas e custosas.