O Peru atravessa uma grave crise política desde a última quarta-feira (7) após a destituição do presidente Pedro Castillo. O ex-mandatário anunciou a dissolução do Congresso para evitar a votação de um pedido de impeachment, mas sem apoio militar, político e de setores econômicos, o ex-chefe de Estado acabou sendo destituído e preso no mesmo dia. A ex-vice, Dina Boluarte, assumiu a presidência, nomeou um novo gabinete de ministros e agora promete convocar eleições em 2024.
Em 16 meses de governo, Castillo enfrentou três tentativas de impeachment, teve de reformar seu gabinete de ministros em pelo menos quatro ocasiões e possui cinco investigações abertas contra ele pelo Ministério Público do Peru.
"No último ano e meio o Congresso não legislou, dedicou-se apenas a derrubar as leis a favor dos direitos dos trabalhadores que o governo conseguiu aprovar e tentar aprovar a vacância presidencial", defende o cientista político peruano, Martin Guerra, em entrevista ao Brasil de Fato.
Protestos
Enquanto isso, o país está em ebulição. Há seis dias, movimentos populares realizam manifestações na capital, Lima, e em distintas regiões do país, exigindo o fechamento do Congresso e a convocatória de eleições gerais. As principais rodovias de acesso ao sul e ao norte do país estão bloqueadas, os aeroportos de Arequipa e de Cusco foram fechados pelos manifestantes. O acesso a Machu Pichu também foi bloqueado.
Sindicatos de trabalhadores rurais convocaram greve geral por tempo indeterminado e mantêm uma vigília em frente à prisão de segurança máxima, onde Castillo permanece detido.
Até o momento, sete pessoas morreram em enfrentamentos com a polícia peruana em Apurimac e Arequipa, ao sul do país, outros cinco foram presos e mais de 100 feridos.
Dina Boluarte decretou estado de emergência nas zonas de maior conflito e o novo ministro de Defesa sugere a destituição dos governantes locais que estejam apoiando os protestos. "Queremos funcionários que não ameacem o estado de direito", disse o ministro Alberto Otárola, empossado no último sábado (10).
O presidente do Conselho de Ministros, espécie de premiê peruano, Pedro Angulo afirmou que todos os ministros irão viajar às regiões e será convocada uma reunião do Conselho de Estado para estabelecer um "acordo nacional".
Os manifestantes exigem a liberdade imediata de Pedro Castillo, a dissolução do Congresso e a convocatória de um referendo constitucional.
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O presidente deposto publicou uma carta, na última segunda (12), agradecendo o apoio popular e convocando os movimentos a permanecerem nas ruas em defesa de uma Assembleia Constituinte.
"Sou incondicionalmente fiel ao mandato popular e constitucional que ostento como presidente e não renunciarei, nem abandonarei minhas altas e sagradas funções", esccreve. Castillo acusa Dina Boluarte de ser uma usurpadora que repete o discurso "golpista de direita" e pede que as pessoas se mantenham nas ruas em defesa da constituinte e por sua liberdade imediata.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU manifestou sua preocupação com a situação no país latino-americano. "As autoridades devem cumprir suas obrigações de direitos humanos e permitir que as pessoas exerçam seus direitos de reunião pacífica e liberdade de opinião e expressão (...) Ressaltamos a importância de ouvir as preocupações e queixas das pessoas para enfrentar de forma eficaz a situação atual", disse o órgão da ONU em comunicado na segunda-feira (12).
Eleições gerais
Diante da pressão popular, Boluarte anunciou que irá enviar ao Congresso uma proposta de adiantamento das eleições gerais para julho de 2024, encurtando o mandato presidencial em dois anos. A presidenta, no entanto, sinaliza concessões aos setores de direita que hegemonizam o Parlamento ao confirmar que o novo processo eleitoral deve ser antecedido de reformas que "agilizem" o processo. Os anúncios vieram após três dias de negociações com os chefes das bancadas de direita e um pedido de "trégua política" feito por Boluarte.
"Urge realizar mudanças democráticas e constitucionais no Congresso, obecedendo fundamentalmente o sentimento da cidadania", disse Boluarte ao apresentar o projeto.
Ainda não estão claras quais serão as reformas acordadas entre o Executivo e Legislativo. "São 53 normas que o Congresso pretende alterar a fim de tornar quase impossível que uma organização popular consiga disputar as eleições ou tenha acesso a recursos públicos para realizar campanha", denuncia o dirigente do partido Esquerda Socialista do Peru, Martin Guerra.
O Peru tem um sistema semi-presidencialista, que confere ao Executivo faculdades sobre o Legislativo e vice-versa. No entanto, essa relação nem sempre se deu de forma harmoniosa.
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Desde 2016 nenhum presidente peruano finalizou o mandato. Todos foram destituídos ou renunciaram após confrontos com os outros poderes e denúncias de corrupção. A Operação Lava Jato acusou quatro presidentes de receber propinas da construtora brasileira Odebrecht: Alejandro Toledo (2001-2006), Alan García (2006-2011), Ollanta Humala (2011-2016) e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018). O sucessor de Kuczynski, Martin Vizcarra também terminou deposto em 2020, acusado de corrupção. Vizcarra tentou fechar o Congresso, mas não obteve apoio popular, que acusou a tentativa de golpe.
Pelo histórico de instabilidade e conflito entre poderes, uma das principais propostas de campanha de Pedro Castillo era a realização de uma Assembleia Constituinte para abandonar a carta magna vigente, aprovada em 1993 durante o regime de Alberto Fujimori. O projeto de lei que convoca um referendo constitucional está parado desde abril no Congresso.
"O governo de Pedro Castillo significou um triunfo inédito na história da política peruana", defende Martin Guerra.
O analista explica que até a eleição do professor, o país vivia sob governos que atendiam uma agenda neoliberal iniciada ainda no período fujimorista e por isso a resistência dos poderes Legislativo e Judiciário, e dos conglomerados de imprensa diante do governo de esquerda.
"O fujimorismo implementou o neoliberalismo na década de 1990, através de dois mecanismos fundamentais: a constituição de 1993, que transformava todas as regras do jogo em um mecanismo de poder das elites. E a ditadura, que teve um custo muito alto: milhares de desaparecidos, mortos, violação de direitos humanos e direitos fundamentais, assassinatos de dirigentes sociais e políticos, corrupção e cooptação de todos os poderes do Estado", comenta.
Castillo na mira
O ex-presidente tem prisão preventiva decretada até esta terça-feira (13). A Procuradora-Geral da República apresentou denúncia constitucional no Congresso, acusando-o de rebelião. A denúncia de Patricia Benavides também inclui os ex-ministros Betssy Chávez (presidenta do Conselho de Ministros), Roberto Sánchez (Turismo e Comércio Exterior) e Willy Huerta (Interior).
Desde que assumiu a chefia do Ministério Público, em junho deste ano, Benavides havia declarado uma cruzada contra o Executivo, anunciando a criação de uma equipe especial de procuradores contra a corrupção do poder. "O Ministério Público deve atuar com firmeza nas investigações penais para tomar decisões e mostrar aos cidadãos que somos um corpo de luta institucional contra o uso corrupto e abusivo do poder", disse à época.
O Congresso já havia votado o fim da imunidade jurídica e pela continuidade das cinco investigações abertas pelo Ministério Público contra o ex-presidente, o que sugere que Castillo pode permanecer preso.
"Trata-se de uma série de processos que compõem um meticuloso lawfare para sujar a imagem do presidente. Ainda não há uma evidência que comprove que Castillo é o criminoso que a direita sugere", comenta Martin Guerra.
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O México anunciou que está disposto a oferecer asilo político ao ex-presidente e seus familiares, exigindo que se respeite a "diginidade e os direitos humanos" do ex-mandatário. O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, expressou apoio a Castillo, dizendo que ele foi vítima de um golpe branco.
Gabinete de ministros
Dina Boluarte é a primeira mulher a tornar-se presidenta no Peru. Eleita congressista pela legenda Peru Livre, em 2021, ela foi nomeada vice-presidenta na quinta formação de gabinete de Castillo.
Assim como o ex-mandatário, Dina se afastou dos seus partidários e acabou sendo expulsa do Peru Livre por renunciar ao programa político defendido durante a campanha.
O presidente do partido Peru Livre, Vladimir Cerrón, acusa Dina Boluarte de ceder às pressões das elites e estar "refém da direita", o que lhe impediria de finalizar o mandato constitucional em 2026.
No último sábado (10), a presidenta recém empossada, anunciou seu novo gabinete de ministros, composto por 19 funcionários, sendo oito mulheres, entre elas a diplomata Ana Cecilia Gervasi como ministra das Relações Exteriores.
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Edição: Thales Schmidt