Sucesso do funk não vem de cima pra baixo, ele vem de baixo pra cima, surge nos bailes.
O funk respira a complexidade da sociedade brasileira como poucas manifestações culturais. Se hoje o gênero vive a consagração internacional, com premiações extremamente relevantes e é aplaudido como trilha sonora do esporte, são constantes os casos de perseguição a funkeiros e aos bailes que acontecem nas quebradas do país.
Enquanto Anitta alcançava o topo de streamings como o Spotify com seu funk cheio de referências pop, em 2019, o DJ Rennan da Penha que havia sido indicado ao Grammy Latino, foi preso por suposta ligação com o tráfico de drogas na Zona Norte do Rio de Janeiro.
Naquele mesmo ano de 2019, nove jovens morreram no baile da DZ7, na favela de Paraisópolis, em São Paulo, após uma ação criminosa da Polícia Militar, na tentativa de encerrar a festa.
É essa dicotomia que permeia o livro O Funk na Batida, de Danilo Cymrot, lançado neste ano, pela Edições Sesc São Paulo. Doutor em criminologia pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), foi no ramo que estuda a perseguição e o estigma às populações mais pobres que Cymrot encontrou seu caminho.
A publicação analisa o fenômeno da criminalização do gênero, que está intimamente ligada à reação violenta do estado contra a população periférica e também acompanha as transformações que foram impostas ao funk desde sua criação, no final dos anos 1980, até a atualidade, quando o ritmo quebrou barreiras e é veiculado em rádios e na TV.
"É muito curioso isso, porque os críticos do funk também, não raras vezes, dizem que o funk faz sucesso justamente porque a indústria cultural manipula a opinião pública e enfia o funk goela abaixo da população, supostamente porque o funk é um gênero alienado e essa é uma das formas de você alienar a população. O que é um grande preconceito, porque está mais do que demonstrado que o sucesso do funk não vem de cima pra baixo, ele vem de baixo pra cima. Ele surge nos bailes e só depois que o funk já fez muito sucesso, já estourou, é que a indústria cultural vai atrás para tentar se apropriar e tirar uma casquinha. A grande indústria sempre chega atrasada", afirma Cymrot.
Outra dicotomia que permeia o funk são seus subgêneros. Se no princípio eram os funks proibidões que davam a tônica do gênero, ao cantar sobre a realidade da favela a partir de uma perspectiva das facções criminosas, no final dos anos 2010 ganha espaço o funk ostentação, com odes ao luxo.
Para Cymrot, apesar das diferenças, ambos os subgêneros, de alguma maneira, se complementam. "No funk ostentação, muitas vezes existem referências, ainda que veladas, à criminalidade. Eu sempre cito um verso do Mc Daleste, na música 'São Paulo', em que ele diz 'de onde vem todo esse dinheiro, vocês vão morrer querendo saber'. Quer dizer, não vou contar, ele deixa a sugestão de que a origem talvez não seja lícita. Assim como o 'Aí meu Deus, como é bom ser Vida Louca', que é uma referência um pouco mais sútil à vida no crime, mas cheio de elementos de ostentação".
"A gente vive numa sociedade em que o indivíduo é valorizado não pelo que ele é, mas principalmente por aquilo que ele consome. E uma sociedade em que as pessoas têm oportunidades desiguais de acesso a esses bens de consumo, é uma sociedade extremamente criminógena, que de certa forma empurra esse contingente grande de jovens para a vida no tráfico", completa Cymrot.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Você está lançando o livro O Funk na Batida, fruto dos teus trabalhos acadêmicos e estudos sobre o gênero. De onde veio o interesse em estudar o funk brasileiro?
Danilo Cymrot: Na verdade, este livro nasceu em 2008, já faz bastante tempo. Eu era estudante de graduação na Faculdade de Direito da USP e não me interessava tanto pelas matérias propriamente jurídicas. Uma das matérias que mais me interessava era criminologia, que é justamente uma matéria interdisciplinar.
Pra você entender o fenômeno complexo do crime, você tem que recorrer, muitas vezes, à sociologia, à antropologia, à psicologia. Além disso, tinham duas áreas da criminologia que me interessavam particularmente: uma estuda a chamada "delinquência juvenil", a relação de atos de vandalismo, ou essa criminalidade das ruas, com aspectos culturais; e o outro ramo da criminologia que me interessava é o da criminologia crítica e da rotulação social, que muda o paradigma da criminologia.
Ela deixa de perguntar porque as pessoas cometem crimes e passa a perguntar por que algumas condutas são criminalizadas e outras não. E melhor, porque na nossa sociedade algumas pessoas são criminalizadas e outras não são. E aí, a questão dos filtros de classe, raça e de idade fala muito alto.
Eu, no primeiro momento, tinha pensado em trabalhar com a questão do samba, porque eu também sou músico, então está aí um terceiro motivo pelo qual eu me aproximei do tema. Queria entender qual é a visão que se via nas letras de alguns sambas a respeito da justiça e da polícia, mas depois achei que esse tema tinha sido muito explorado e quis um desafio, digamos assim, um pouco mais instigante, trazendo uma questão mais contemporânea, que é justamente a do funk.
Na época eu fiz essa ligação: bom, quem é o samba hoje? Quer dizer, se o samba foi perseguido, foi criminalizado no século passado, qual o gênero musical que hoje, digamos assim, ocupa esse espaço? E aí, eu lembrei do funk porque, muitas vezes, o funk quando aparecia na grande mídia, sempre vinha associado a algum episódio de violência ou de criminalidade.
Na época eu também me lembrei dos chamados funk proibidões, que são aqueles acusados de fazer apologia às facções criminosas, e eu achei que tinha um objeto de estudo interessante aí. Então esse foi meu projeto de mestrado, que eu defendi em 2011. Mas de 2011 a 2022, eu nunca parei de pesquisar o funk e sempre atualizando a dissertação.
O funk é um tema muito dinâmico, um tema da atualidade, então você tem sempre que estar ligado para o que está acontecendo, pra conseguir explicar o fenômeno. E foi isso que aconteceu.
O funk vive hoje um momento muito complexo. Se por um lado ele é celebrado internacionalmente como um gênero genuinamente brasileiro, por outro ele ainda vive sobre esse manto da criminalização nas quebradas do Brasil. Qual é o tamanho desse dilema, Danilo?
Eu acho que essa é a questão central do funk e a questão central do livro. Não é à toa que eu inicio meu livro, na introdução, jogando com essa contradição. Em 2019, a Anitta alcançou o topo do Spotify como artista latina mais ouvida. Depois ela conseguiu subir ainda mais, virou artista mais ouvida.
E 2019 foi o ano em que o DJ Rennan da Penha foi indicado ao Grammy Latino, ganhou o prêmio Multishow de melhor clipe. Nesse mesmo ano, o mesmíssimo Rennan da Penha foi preso, acusado de ligação com o tráfico de drogas. Nesse mesmíssimo ano em que a Anitta conseguiu sucesso internacional, nove jovens morreram pisoteados num baile aqui em São Paulo, de Paraisópolis, em uma intervenção completamente absurda e desastrada da Polícia Militar para reprimir o baile.
E dois anos depois, você vê o funk ocupando um outro espaço de prestígio, que são as Olimpíadas de Tóquio. A Rebeca Andrade pega um funk que nasceu nas ruas de São Paulo, que nasceu como um funk proibidão porque tinha letras explícitas sobre sexo, que é o Baile de Favela e faz a sua versão, apresenta para o mundo e ganha medalha de ouro.
Quer dizer, essa é a grande contradição do funk. E eu entendo que essa contradição, na verdade, ela sempre esteve presente. Agora ela chama mais atenção, justamente porque talvez o funk nunca tenha conseguido alcançar degraus tão altos como os que a Anitta conseguiu alcançar agora.
Mas, a verdade é que, desde o começo da década de 1990, a gente via ao mesmo tempo um veículo midiático como a TV Globo, por exemplo, em um programa jornalístico, enfocando um suposto arrastão que teria acontecido na praia de Ipanema, em 1992, com o viés extremamente sensacionalista e criminalizador, atribuindo o suposto arrastão aos funkeiros da Zona Norte, do subúrbio do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, no programa da Xuxa, abrindo espaço para que MC’s revelados nos chamados Concursos de Galeras dos bailes fossem lá e cantassem o seu funk. Geralmente, funks que traziam letras pedindo paz, justamente para desestigmatizar o funk. Então, sempre houve essa contradição.
E há quem diga, inclusive, que a glamourização do funk é o outro lado da criminalização. Primeiro, porque quando o gênero aparece de forma sensacionalista na mídia, de certa forma, causa atração e fascínio por uma parte da população. Então, a gente vê que no funk não existem apenas conflitos raciais ou conflitos sociais, mas inclusive conflitos etários.
O jovem que tem um gosto pelo proibido, gosto pela transgressão, vai se atrair por uma música que traz ou palavras explícitas sobre sexo ou referências a alguma facção criminosa. Ainda que esse jovem não tenha relação nenhuma com a facção criminosa, cantar aquilo, de certa forma, dá um pouco de status, de glamour.
A gente também não pode esquecer que o funk é bastante heterogêneo. Então, quando você me perguntou do funk, eu posso responder com uma outra pergunta: de qual funk você quer saber? Porque, por um lado tem aquele funk mais estigmatizado ou mais criminalizado, o funk proibidão, seja na vertente do funk de facção, seja na vertente do chamado funk putaria.
Mas, ao mesmo tempo, tem aquele funk família, que é considerado o funk do bem, por exemplo, o funk romântico, mais dançante, que ocupa com mais frequência os grandes espaços na mídia. Mas o funk ele transita. O mesmo funk que toca no baile, na rua, ele pode tocar numa festa de quinze anos ou num casamento, ou até num bar mitzvah, muitas vezes com pequenas adaptações.
Não é raro que alguns funks tenham duas versões de letras. A versão proibidona, que é explícita, e a versão mais leve, justamente para que ele possa circular melhor e atingir outros públicos.
E como se deu a apropriação cultural do funk? Ela acontece no mundo todo, não é novidade. Mas aqui, no Brasil, ela acontece com certa recorrência. Por que a elite cultural, ou a indústria cultural, resolveu se apropriar do funk carioca?
Isso é muito curioso, porque tem alguns fenômenos que são muito parecidos, mas são retratados de forma muito diferente, dependendo da origem social dos seus protagonistas. Aqui no Brasil, as pessoas da elite cultural costumam se lembrar da Tropicália como movimento antropofágico, que pega coisas da cultura popular, mescla com o que vem de fora, mastiga e devolve para o mundo algo novo.
Mas dificilmente alguém vai ver um cantor sertanejo, ou um cantor de funk, como um antropófago. Mas ele é, ele também está dentro dessa tradição da antropofagia cultural. É curioso, quando alguém quer deslegitimar o funk, é comum a pessoa dizer: "não, mas isso não é um verdadeiro funk. O verdadeiro funk é aquele que tocava na década de 1960, 1970, é o James Brown, aquele funk mais soul".
O que essa pessoa muitas vezes não sabe é que o funk carioca nasce justamente desse funk, no fim da década de 1960, década de 1970. Aquela soul music tocava nos bailes funk da época. Até o comecinho da década de 1990, o funk que tocava nos bailes do Rio de Janeiro tinha letras em inglês ou instrumentais. E ele foi se transformando e foi influenciado pelo eletro, pelo hip hop. O rap e o funk são primos.
No comecinho dos anos 1990, quando o funk fica abrasilerado, digamos assim, e começa a ser cantado com letras em português, a batida que mais se tocava nos bailes era a Voltmix, que era a batida que do hip hop que se tocava em Miami. Aos poucos o funk foi bebendo das fontes nacionais, a batida mudou para o tamborzão, com influência inclusive do toque de candomblé. Ele vai mudando e vai mesclando, pega um pouco do forró, uma coisa do axé.
A indústria cultural…é muito curioso isso, porque os críticos do funk também, não raras vezes, dizem que o funk faz sucesso justamente porque a indústria cultural manipula a opinião pública e enfia o funk goela abaixo da população, supostamente porque o funk é um gênero alienado e essa é uma das formas de você alienar a população.
O que é um grande preconceito, porque está mais do que demonstrado que o sucesso do funk não vem de cima pra baixo, ele vem de baixo pra cima. Ele surge nos bailes e só depois que o funk já fez muito sucesso, já estourou, é que a indústria cultural vai atrás para tentar se apropriar e tirar uma casquinha. A grande indústria sempre chega atrasado.
Você falou no começo da nossa conversa sobre a tragédia do baile da DZ7, em Paraisópolis, que deixou nove mortos e completou três anos agora em dezembro. Essa realidade já aconteceu em outros bailes de São Paulo, no Rio de Janeiro, enfim, a gente já teve tragédias e funkeiros perseguidos judicialmente aos montes. O que mudou de lá para cá, em termos de políticas públicas?
Uma coisa que eu procurei rebater no meu livro foi justamente uma visão maniqueísta e simplista que diz que o estado malévolo, a serviço das classes dominantes, criminaliza o funk por ser um lazer de gente periférica, negra e pobre. Acho que tem muito disso, mas não só, existem algumas nuances aí.
Primeiro, eu não acredito que o policial que está na ponta, que tem, na situação concreta, bastante autonomia e bastante discricionariedade para agir ou não, que ele reprime o funk apenas porque é lazer de gente pobre, negra e periférica, porque muitas vezes o policial também é.
Apesar de, supostamente, não poder desobedecer ordens, a gente sabe que, na prática, ele tem uma margem maior para agir. Então, quando ele é acionado para reprimir alguma manifestação, ele pode reprimir de forma mais violenta, ou menos violenta. Tem vários fatores que acabam interferindo nisso.
É claro que o policial sabe que, se ele agir da mesma forma violenta que ele age na periferia, em um protesto de estudantes na Avenida Paulista, a corda vai arrebentar sempre para o lado mais fraco e ele vai ser punido. Da mesma forma, uma manifestação em que as pessoas exaltam a Polícia Militar, não vai ser reprimida.
E da mesma forma, outras manifestações que ocorrem inclusive na periferia, e que causam poluição sonora bastante forte, como por exemplo as igrejas neopentecostais, e que muitas vezes lideram os rankings de reclamações de barulho, também não têm o mesmo tratamento que os bailes recebem.
O baile, por ser associado a jovens que fazem consumo de drogas - não que outros setores da população também não façam, mas eles fazem, às vezes de uma maneira mais explícita, no meio da rua - e causam transtornos no tráfego, fazem barulho que também incomoda muitos vizinhos, isso acaba legitimando a repressão aos baile. O que eu procurei no meu livro é justamente combater essa ideia do estado como algo homogêneo, sem conflitos internos, sem contradições.
Porque eu observei que, desde o começo da década de 1990, você via por um lado o estado tendo uma postura bastante repressiva em relação ao funk, mas por outro lado esse mesmo estado procurando ter uma nova política em relação ao funk. Se aproximar dos funkeiros, tentar dialogar, promover oficinas de dança, de DJs. Ou mesmo a realização de bailes mais organizados, com um horário certo para acabar, com infraestrutura básica.
Só que esse diálogo é difícil, primeiro porque muitos jovens que vão no baile já tem uma postura hostil em relação ao Estado, justamente porque eles são as maiores vítimas da repressão policial. Segundo porque, ao contrário do que acontece no carnaval de rua, por exemplo, que se tentou - pelo menos aqui em São Paulo - organizar, com os blocos se cadastrando e anunciando com antecedência qual vai ser o trajeto para que o poder público consiga, de certa forma, viabilizar, o baile funk ocorre todas as semanas do ano, de quinta a domingo. É um fenômeno muito maior do que o carnaval de rua, muito mais difícil de lidar.
Antes dessa vertente paulista, que se tornou o funk ostentação, o funk vivia mesmo nas quebradas do Rio de Janeiro, nos bailes, com mensagens diretas e indiretas às facções criminosas. Essa ideia do funk ostentação acabou forçando uma guinada na raiz do funk?
O funk é ótimo para entender o país, porque ele reflete a nossa realidade social. Tem muita gente que diz que, mais do que reprimir o funk proibidão, que fala das facções criminosas, é preciso estudar as letras, porque elas contam a história, digamos assim, não oficial do Rio de Janeiro. Então, pelas letras do funk proibidão você consegue não só ver que tipo de valores estão presentes em determinadas comunidades, mas também qual facção domina qual, qual facção está em briga com a outra, qual é a política de aliança entre as facções, onde que a milícia entra.
No caso do funk ostentação, não é à toa que ele surge em 2013. Surge até um pouco antes, em 2008, 2009,mas o auge dele talvez seja 2013, quando atinge todas as classes sociais. E porque ele surge nesta época? Primeiro, pela repressão ao funk proibidão, que também acontecia em São Paulo, onde se exaltava o PCC (Primeiro Comando da Capital), principalmente com MC’s da Baixada Santista, que inclusive foram mortos após os ataques da facção em 2006 e muita gente liga esses dois episódios.
No ostentação, os funkeiros trocaram a exaltação à facção criminosa pela exaltação às marcas de luxo, às marcas de consumo. Mas eu tenho uma tese de que o proibidão e o ostentação conversam bastante. Assim como você vê gangsta rap americano, onde os rappers gravam clipes com correntes de ouro e mansões, carrões, muitas vezes o eu lírico é um cafetão ou um traficante. No funk ostentação, muitas vezes existem referências ainda que veladas à criminalidade.
Eu sempre cito um verso do Mc Daleste, na música "São Paulo", em que ele diz "de onde vem todo esse dinheiro, vocês vão morrer querendo saber". Quer dizer, não vou contar, ele deixa a sugestão de que a origem talvez não seja lícita. Assim como o "Aí meu Deus, como é bom ser Vida Louca", que é uma referência um pouco mais sútil à vida no crime, mas cheio de elementos de ostentação.
Porque a gente vive numa sociedade em que o indivíduo é valorizado não pelo que ele é, mas principalmente por aquilo que ele consome. E uma sociedade em que as pessoas têm oportunidades desiguais de acesso a esses bens de consumo, é uma sociedade extremamente criminosa, que de certa forma empurra esse contingente grande de jovens para a vida no tráfico.
O segundo elemento é que o Brasil vivia uma era de otimismo econômico, de ascensão social. Então era possível sonhar com isso, ainda que fosse um sonho exagerado porque, quando a gente está falando da ascensão da chamada nova classe média, isso está longe de corresponder a um padrão de consumo vendido nos clipes.
A gente sabe que, para muitos desses jovens, a única forma de você conseguir ter acesso a esses bens é ou virando jogador de futebol, ou virando músico de algum outro gênero, cantor de funk, ou entrando para a vida do crime, sendo que na vida do crime, também é sabido que ela pode ser luxuosa, mas pode durar pouco.
As contradições do funk também se expressam nas letras. Nós temos vários funks que são engajados em denúncias sociais, e outros que tem certa dificuldade em lidar, por exemplo, com os avanços da sociedade, como o combate ao machismo, ou à violência de gênero. Como é que isso também pode influenciar no futuro do funk, daqui em diante?
O funk não está jogado no espaço, ele está inserido dentro de um contexto mais amplo, de uma sociedade que é machista e homofóbica, por exemplo. Então, é natural que assim como o machismo e a homofobia aparecem em letras de outros gêneros musicais como rock, o forró, o sertanejo, ele também aparece no funk. Isso não significa que o funk seja machista.
Por quê? Porque a gente vê dentro do funk cada vez mais MC’s mulheres com letras que justamente combatem o machismo. Então eu posso dizer que há funks machistas e há funks feministas. Assim como há sambas machistas e há sambas feministas. O que não dá pra dizer é que isso é monopólio de um único gênero musical.
A mesma coisa em relação à suposta apologia à violência, ou às facções criminosas. Não é o funk que é responsável por esse quadro de violência que a gente vive. Se fosse assim era simples. Você proíbe os bailes, como de fato já foram proibidos em muitos lugares e acabou no dia seguinte a violência, o narcotráfico, os assassinatos no Brasil.
Você pode acabar com o funk, mas não vai acabar com o machismo e a homofobia. O que a gente tem que fazer é reconhecer a diversidade dentro do funk, entender que o funk reflete valores que estão inseridos na sociedade mais ampla e tentar, digamos assim, cada vez mais dar espaço para esses discursos contra hegemônicos dentro do funk.
Edição: Thalita Pires