A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais traz expectativas de ações que promovam avanços nos mais diversos segmentos, entre eles, a Comunicação. Entidades da sociedade civil, profissionais da área e ativistas têm elencado uma série de propostas, contemplando questões como universalização dos serviços essenciais de internet e telecomunicações, apoio à tecnologia nacional, fortalecimento do sistema público de comunicação e das rádios e TVs comunitárias e diretrizes mais acertadas em torno da educação para a mídia.
Um exemplo dessas movimentações é o documento intitulado “Comunicação democrática é vital para a democracia”, publicado logo após o final das eleições deste ano. Ainda aberto a adesões, o documento já foi assinado por 89 instituições da sociedade civil e mais de 280 ativistas, jornalistas e outros profissionais da comunicação.
A integrante da coordenação executiva do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, Ramênia Vieira, destaca que a organização é signatária do documento e aponta como um dos principais desafios a regulação da radiodifusão, uma vez que se criou um falso argumento de que isso fere a liberdade de expressão, quando na verdade promove pluralidade e diversidade ao promover a quebra do monopólio.
Para Ramênia, a regulação das plataformas digitais – como forma de coibir a violação de direitos humanos na internet e de garantir um ambiente digital equilibrado plural, equilibrado e respeitoso – é outra medida essencial e não representa qualquer ameaça à liberdade de expressão.
Dentre outras propostas do documento, estão: a garantia da diversidade e do pluralismo, a partir da adoção de políticas públicas que evitem a concentração do controle sobre o debate público; e a regulamentação dos dispositivos da Constituição de 1988 sobre complementariedade entre os sistemas público, privado e estatal, sobre vedação aos monopólios e oligopólios e sobre fomento à produção regional e independente.
A carta, que foi entregue a membros da transição governamental, também indica a necessidade de “uuniversalização do acesso à internet, via o desenvolvimento de políticas públicas para garantir o acesso universal, significativo e de qualidade para todos, com preços acessíveis e sem limitação de franquia de dados móveis”.
Para os signatários do documento, a universalização deve se dar “tanto pela ação direta do Estado no provimento de conexão a partir de redes públicas, como pela definição da modicidade tarifária, de metas de conectividade para as empresas privadas, de políticas de fomento aos pequenos e médios provedores e iniciativas de acesso à internet comunitária”.
O “fortalecimento das mídias alternativas, independentes, comunitárias, populares e periféricas, de todo um grupo de veículos e iniciativas que nasceram fora dos grandes oligopólios privados da comunicação no país e que requerem políticas públicas de incentivo para sua consolidação e ampliação” é também outra reivindicação.
Comunicação Pública
Vale destacar ainda, como uma das propostas do documento, a “recuperação da autonomia e do caráter público e fortalecimento da EBC e do sistema de emissoras e agências públicas ligadas a ela”. As entidades e ativistas que assinam a carta defendem que “por sua estrutura e capilaridade, a EBC pode converter-se em espaço para difusão dos conteúdos produzidos pela multiplicidade de sujeitos comunicativos que queremos estimular, com autonomia e sob governança da sociedade brasileira, através da reinstalação do Conselho Curador”.
Criada em 2007, a EBC é uma empresa pública federal que presta serviços de radiodifusão pública e gere as emissoras de rádio e televisão públicas federais. A empresa tem sofrido um processo de desmonte que começou no governo de Michel Temer (MDB) e se aprofundou no de Bolsonaro, sendo um dos desafios da próxima gestão frear esse processo. Uma das primeiras coisas que é preciso enfatizar, segundo Guilherme Strozi, jornalista da EBC, é que a empresa “não é do governo”.
Guilherme já foi integrante do Conselho Curador da EBC, extinto por Michel Temer por meio de uma Medida Provisória (MP) que impossibilitou a participação popular na fiscalização das diretrizes e objetivos da empresa. Composto por 22 membros, sendo 15 da sociedade civil, 4 do Governo Federal, 2 do Congresso Nacional e 1 dos trabalhadores(as), o Conselho Curador também tinha a prerrogativa de destituir o presidente da EBC caso ele não cumprisse as diretrizes, a exemplo da necessária autonomia editorial em relação ao governo.
Com a extinção da principal instância de participação da sociedade na EBC, essa atribuição passou a ser do presidente da República. Por isso, com Temer e, posteriormente, com Bolsonaro, tornaram-se comuns os casos de censura e assédio contra trabalhadores(as) da Agência Brasil, da TV Brasil e das emissoras de rádio vinculadas à empresa. Por isso, a reativação do Conselho Curador é vista como uma prioridade.
Um outro problema atual da EBC foi a fusão dos conteúdos da TV Nacional do Brasil (NBR) com a programação da TV Brasil, o que significa, em verdade, uma tentativa de transformação da comunicação pública em aparelho de divulgação das ações governamentais. Visando o fortalecimento do caráter público da EBC, Guilherme entende que a separação da TV NBR da TV Brasil deve ser uma das primeiras ações a partir do próximo mês de janeiro.
Outra iniciativa que precisa ser retomada é a destinação dos recursos da Contribuição ao Fomento da Radiodifusão Pública para a EBC. Guilherme explica que 15% das contas de internet que a população paga vai para o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações. Desse total, 85% eram destinados para a empresa pública. Entretanto, usando a justificativa do enfrentamento à pandemia do coronavírus, o governo Bolsonaro não repassou mais a totalidade dos recursos.
Além disso, o servidor acredita que as produções da EBC não podem ficar restritas ao eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, devendo abarcar a produção independente de todas as regiões do Brasil. Para isso, defende a necessidade de mudar o perfil dos gestores. “Não dá mais para ser gerida por homens brancos, como gabinete de comunicação social da presidência. A EBC tem que chegar às favelas, às periferias, aos centros urbanos, ao Pantanal, precisa ser mais popular. Precisa de um olhar mais negro, feminino, feminista, nordestino, amazônico, de gente que tem história de luta, que dialoga com as mais diversas expressões religiosas”, diz.
A diretora do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e servidora da EBC, Juliana Nunes, que participa do GT de transição de Comunicação Social, acrescenta que é preciso que a sede da estatal no Maranhão, que foi desativada, volte a funcionar. Diz ainda que é preciso que programas com temáticas ambientais e indígenas, além das agendas negra e quilombola, voltem para a grade das rádios Nacional da Amazônia e Nacional do Alto Solimões. Também defende a execução de projetos internacionais, com uma comunicação pública decolonial e troca de conteúdo com emissoras de outros países da América Latina.
Equipe de transição
No processo de transição de governo, há dois grupos de trabalho dedicados ao setor, o GT de Comunicação Social e o GT de Comunicação. O primeiro discute questões como comunicação governamental e publicidade e propaganda; o segundo, assuntos como política de rádio e TV comercial, acesso à internet, regulamentação da comunicação comercial e questões de telefonia. O foco dos GTs, vale lembrar, é solicitar ao atual governo informações que irão constar em relatórios e diagnósticos norteadores das ações a serem implementadas a partir de 1º de janeiro de 2023.
Entre essas informações estão as que dizem respeito, por exemplo, a orçamentos e estruturas disponíveis, possibilitando que sejam feitos, entre outros apontamentos, o levantamento dos riscos iminentes e de questões “que merecem mais atenção”, conforme afirma o jornalista e diretor geral da TV e Rádio públicas da Bahia (IRDEB), Flávio Gonçalves, que integra o GT de Comunicação Social. Ele destaca que o trabalho feito pode servir, inclusive, para que o próximo governo “avalie criticamente o que foi feito nos últimos quatro anos, com eventuais responsabilizações, se necessário”.
“O Governo Federal é obrigado por lei a repassar as informações, que são públicas. Pode ser por meio de documento formal, por exemplo. Esperamos que o Governo Federal entregue, para que a próxima gestão tenha condições de tomar decisões sobre políticas que têm impacto imediato na vida das pessoas”, defende Flávio.
*Esta matéria integra a série “Ideias para um Brasil democrático”, conjunto de textos que pretendem contribuir com a reconstrução do Brasil e com a necessária democratização da nossa democracia. A série é uma iniciativa do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.
**Elaine Dal Gobbo é jornalista e mestra em Comunicação & Territorialidades. Franciani Bernardes é jornalista, doutora em Ciências da Comunicação e professora da rede estadual de ensino do Espírito Santo. Ambas são associadas ao Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação.
Edição: Glauco Faria