O futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta quinta-feira (22) o ex-governador do Ceará e senador eleito, Camilo Santana (PT), como o ministro da Educação, a partir de 1º de janeiro. A atual governadora do estado, Izolda Cela, que chegou a ser a mais cotada ao posto, assumirá o comando da Secretaria Nacional de Educação Básica.
O convite a Santana e Izolda foi feito na semana passada, conforme noticiou a RBA. A nomeação de Izolda no MEC era defendida até mesmo por Camilo. Mas o nome encontrou resistência em setores do PT, devido à proximidade da governadora do Ceará e seu marido, Veveu Arruda, ex-prefeito de Sobral, à Fundação Lemann.
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A organização promove iniciativas para a educação pública e foi fundada pelo empresário Jorge Paulo Lemann. Além de bom trânsito entre as fundações, Izolda contava também com simpatia dentro do grupo Educação do Gabinete da Transição. Foi secretária de Educação em Sobral e no Estado, antes de se tornar vice Camilo nas duas gestões, e assumir o governo em abril.
A corrente petista contrária ao nome de Izolda, formada pela deputada federal Rosa Neide (PT-MT) e a senadora eleita Teresa Leitão (PT-PE), exigia também um nome do partido. Outros defendiam o nome do deputado federal mineiro Reginaldo Lopes.
O encontro decisivo, de acordo com informações da Folha de S. Paulo, aconteceu na noite desta segunda (19), em Brasília. Além de Santana e Izolda, estavam presentes Lula, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), e o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que definiram o futuro comando da pasta.
Força política de Camilo Santana
A escolha foi bem vista por especialistas do campo. O mestre em Ciência Política, Daniel Cara, integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do governo de transição na área da Educação, afirmou que a decisão do presidente eleito reflete a necessidade de compor um ministério que consiga colaborar com a resolução de problemas políticos que o Brasil terá de enfrentar a partir do próximo ano.
“Não adianta acreditar que tudo vai ser um céu de brigadeiro diante de toda a destruição bolsonarista”, advertiu em entrevista ao Jornal Brasil Atual. Apesar do perfil discreto, o futuro ministro da Educação é conhecido pela habilidade política nos bastidores.
Formado em Ciências Agrárias pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Santana atuou no movimento estudantil na juventude construiu sua trajetória política na cidade de Barbalha, na região metropolitana do Cariri. Filiado ao PSB, ele concorreu à prefeitura em 2000 e em 2004, já pelo PT, mas acabou não eleito. Ele seguiu na política, até em 2007 ser nomeado secretário de Desenvolvimento Agrário pelo então governador Cid Gomes.
Três anos depois, o petista foi eleito deputado estadual com a maior votação do estado, mais de 131 mil votos. No período, assumiu ainda a Secretaria das Cidades no segundo mandato de Cid. Em 2014, licenciou-se do cargo para concorrer, com apoio do então governador, ao Executivo estadual. Eleito governador com 53,35% dos votos válidos, no segundo turno, Santana foi reconduzido ao cargo quatro anos depois. Neste ano, ele foi eleito senador pelo Ceará com quase 70% dos votos válidos.
Desafios no MEC
De acordo com o coordenador da CNPE, essa habilidade política de Santana será fundamental para enfrentar o desafio de reconstrução do MEC. “Eu fui um dos responsáveis no grupo de trabalho de educação, como coordenador, a ir até o Ministério da Educação receber a passagem das informações. Ou seja, as coisas como estão e a situação geral da área. E foi surpreendente ver o grau de destruição. Então concretamente a gente já imaginava que era grave, mas é muito mais grave do que o que a gente previa”, detalha Daniel Cara.
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“E eu vou dizer mais, a destruição não começa com Jair Bolsonaro, começa com Michel Temer. Então são seis anos, sete anos, aí de desconstrução do Ministério da Educação que precisa ser reconstruído. Diante dessa necessidade de reconstrução é preciso ter força política e a opção do Lula foi escolher um ex-governador que agora é Senador da República que de fato tem uma uma estrutura de relacionamento no Congresso Nacional que é importante para o governo”, explica o educador.
Uma questão de orçamento
Uma das prioridades deverá ser a execução orçamentária total dos recursos do MEC. No início de dezembro, o grupo temático de educação da equipe de transição de Lula já havia identificado uma série de emergências, todas atreladas à falta de verbas que pode prejudicar a educação neste final de ano e começo de 2023. O governo de Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, não empenhou recursos para o Programa Nacional do Livro Didático. Além de não ter destinado verbas suficientes para a educação infantil e alfabetização.
A avaliação do grupo é que, sem recursos extras, o ano letivo será prejudicado. Na semana passada, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) incluiu na nova proposta de Orçamento do próximo ano, mais R$ 11,2 bilhões para o Ministério da Educação. Desse total, R$ 2,5 bilhões devem ser destinados para recomposição do orçamento de bolsas do ensino superior. O relator também previu R$ 1,5 bilhão para verbas de custeio das universidades e institutos federais. A educação básica também deverá receber um reforço de R$ 2,8 bilhões. Assim como o programa de merenda escolar, que vai ter R$ 1,5 bilhão de recursos extras.
Para que a recomposição seja feita, contudo, a Câmara e o Senado precisam aprovar a chamada PEC da Transição, que abre espaço no orçamento da União para evitar um apagão social em 2023. A medida, no entanto, ainda depende de aprovação na Câmara.
Daniel Cara ainda ressalta que, embora fundamental, a verba de extra de R$ 11,2 bilhões está longe de ser suficiente ao MEC que, antes de Temer e Bolsonaro, recebia uma das maiores fatias de recursos. A retomada da importância do setor será, portanto, mais um desafio para o próximo ministro.
“Na prática, desde 2016, nós estamos executando cerca de R$ 90 bilhões. E o MInistério da Educação tem R$ 30 a R$ 40 bilhões a mais do que isso em termos orçamentários. Mas os recursos são bloqueados, ora por decisão do Executivo, ora por conta dos efeitos da Emenda à Constituição 95, de 2016, do teto de gastos, como justificativa do Executivo para esses bloqueios. Então estamos com uma demanda na área de educação orçamentária extremamente reprimida e essa execução orçamentária reprimida ela vai precisar ser recomposta, é claro que não vai ser de uma hora pra outra, pelo Ministério da Educação. Não tem outra alternativa”.
Ceará, um modelo
A escolha de Lula, contudo, também reflete o reconhecimento do Ceará como um modelo educacional para o país. O estado, conforme destaca Daniel Cara, tem uma experiência exitosa especialmente nos anos iniciais do ensino fundamental na área de alfabetização. Durante o governo de Camilo Santana, o Ceará obteve a melhor nota do Ideb de 2021. Saltou de 77 para 87, neste ano, no número de escolas públicas mais bem ranqueadas de todo o país, em uma lista com 100 unidades. Além de ser responsável por políticas públicas referências, como o Programa de Alfabetização da Idade Certa (PAIC).
A gestão do PT não só foi responsável por ampliar os indicadores da educação básica, como também aumentou a cobertura de escolas em tempo integral na rede estadual. “É uma experiência que ainda está em construção, mas que já na alfabetização demonstra uma qualidade que é interessante de ser observada e que precisa ser estudada. Então nesse sentido Lula opta por esse modelo que tem tido reconhecimento e também por um governador que tem interlocução no Congresso Nacional. Esse é o caminho que ele toma em termos de decisão”, resume o educador.
Educação Básica
Izolda que assume a secretaria de Educação Básica também esteve à frente dos avanços na área em Sobral, que tornaram a cidade um modelo para o estado, posteriormente replicado. Nos bastidores, chegou a se especular que o MEC fosse dividido em dois, com uma pasta apenas para os primeiros anos da educação formal e outra para ensino superior. Daniel Cara garantiu, porém, que não existe essa conversa e que os educadores são amplamente contrários à divisão.
Se isso ocorresse, segundo ele, seria um “retrocesso enorme porque a política de educação é da creche à pós-graduação”. “Esse não é o caminho que devemos trilhar. Eu defendo que a gente siga a rota estabelecida pela Constituição de 1988. É o marco legal brasileiro que trabalha o Ministério da Educação como um ministério único. Espero que o Camilo Santana realize um bom trabalho à frente do Ministério da Educação”, diz Cara, que integra a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.