Entre 2010 e 2022, voaram aproximadamente 2.400 filhotes de volta à natureza
Há tempos não se via uma cena como a que pode ser apreciada hoje nas serras de Baturité e da Aratanha, no interior do Ceará: uma revoada de periquitos cara-suja reunidos - e livres - na natureza. Ocorre que essas avezinhas sempre foram muito cobiçadas e o tráfico de animais silvestres, aliado ao desmatamento, foi dizimando a espécie que, aos poucos, acabou desaparecendo de seu habitat natural.
O periquito cara-suja é uma ave nordestina que podia ser encontrada em diversos estados brasileiros. Hoje, porém, o que restou desses animais foram pequenas populações concentradas ao norte da Bahia e no Ceará.
Foi em 2007 que a ONG cearense Aquasis começou um importante projeto de educação ambiental, que há 14 anos trabalha na missão de trazer o cara-suja de volta à natureza,
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“Começamos com um trabalho que culminou com um programa de educação ambiental na Serra de Baturité, onde estava sua principal população, cerca de 100 indivíduos; e também um programa de caixas-ninhos, ou ninhos artificiais. Foi quando a espécie passou de um declínio acentuado para um crescimento nesta última década”, explica o biólogo Fábio Nunes, coordenador do projeto.
A chamada "caixa-ninho", idealizada e montada pela equipe do ‘Projeto Periquito Cara-Suja’, imita as cavidades naturais dos troncos vegetais usados normalmente para a gestação dos ovos, que vão dar os filhotes. A ideia foi muito bem recebida pelas aves: quem visita o espaço pode ver os bichinhos bem aconchegados dentro dos ninhos artificiais
O biólogo ressalta que, após o intenso trabalho de recuperação da mata e de aumento populacional, o cantar da espécie voltou a ser ouvido novamente na região. Entre 2010 e 2022, voaram aproximadamente 2.400 filhotes de volta à natureza.
“Um programa de caixa-ninho muito bem sucedido e que permitiu a espécie diminuir um grau de ameaça, ela se encontrava em “criticamente ameaçada” e aí foi para “em perigo de extinção”, acrescenta Nunes.
O trabalho permitiu ainda ampliar os horizontes para esses bichinhos, levando a ave de volta a locais onde ela já estava extinta.
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“E uma dessas áreas, é a Serra da Aratanha, localizada entre Fortaleza e a Serra de Baturité, que fica logisticamente muito próximo para a gente desenvolver esse trabalho. E o que a gente fez foi pegar indivíduos selvagens da Serra de Baturité e trazer para cá”.
Hoje já são cerca de 20 periquitos cara-suja voando também na Serra da Aratanha. A ideia é atingir uma população de mais ou menos 50 indivíduos para que eles se reproduzam e a equipe do projeto, coordenada por Fábio, possa ajudar a ampliar a variedade genética da espécie por lá.
"E essa população deve prosperar nessa área onde não tem mais nenhum periquito, então eles vão cumprir um papel ecossistêmico que não tinha. vão dispersar sementes dessa floresta, vão fazer parte desse ambiente que um dia eles tiveram esse direito de existir negado”, projeta, com otimismo, o biólogo.
Edição: Douglas Matos