Dezenas de milhares de seguidores do juiz Luis Carlos Valois, da Vara de Execuções Penais de Manaus (AM), foram surpreendidos com postagens dele nas redes sociais na noite da última segunda-feira (16): "Pessoal, essa deve ser a minha última postagem nas redes sociais. O CNJ [Conselho Nacional de Justiça] determinou o bloqueio de todas as minhas contas no Facebook, Instagram e Twitter. Somente o Twitter bloqueou, mas em breve as demais devem ser também", escreveu.
O CNJ confirmou a decisão nesta quarta-feira (18), informando que o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, determinou abertura de Reclamação Disciplinar contra Valois para investigação de "conduta suspeita do magistrado relativa à participação de atividade de cunho político-partidária em suas redes sociais". Caso as decisões não sejam cumpridas, as empresas que administram as redes podem ser multadas em até R$ 20 mil por dia.
Já na segunda-feira, a conta do Twitter do magistrado foi vetada. Quem, estando no Brasil, tentava acessar o perfil encontrava uma página praticamente em branco, com mensagem em inglês que dizia que a conta do juiz tinha sido retida em resposta a uma demanda judicial.
No início da tarde de terça-feira (17) o perfil do juiz no Instagram também teve o bloqueio efetivado. No Facebook, porém, a página dele continuava ativa até esta quarta (18).
"Não sei o motivo ainda, não fui intimado, mas até em respeito à decisão do CNJ não me manifestarei nas redes mesmo com a conta ainda não bloqueada. Vocês não verão da minha parte nenhuma queixa ou acusação de pessoas, se institucionalmente eu errei, que isso seja resolvido de forma justa", complementava o texto postado.
O Brasil de Fato tentou contato com Valois, que informou que ainda não havia sido notificado sobre a decisão judicial. Ele preferiu não conceder entrevista.
Na decisão, o corregedor destaca que "a conduta individual do magistrado com conteúdo político-partidário macula a confiança da sociedade em relação à credibilidade, à legitimidade e à respeitabilidade da atuação da Justiça, atingindo o próprio Estado de Direito que a Constituição objetiva resguardar" e que "a manifestação de pensamento e a liberdade de expressão são direitos fundamentais constitucionais dos magistrados, dentro e fora das redes sociais. Não são, no entanto, direitos absolutos". Os mesmos termos foram usados para vetar acessos de juízes abertamente bolsonaristas nas redes.
O texto que determinou a investigação e a suspensão dos perfis conta com diversos prints de postagens do Valois, citando, por exemplo, "ataque às instituições" depois que o juiz compartilhou mensagem que citava "o protagonismo político de integrantes do Ministério Público Federal e da Justiça Federal" no contexto da Operação Lava Jato como algo indissociável para ascensão da extrema direita no país.
Outra postagem considerada ofensiva às instituições dizia que a presidenta Dilma Rousseff deveria passar a faixa presidencial a Lula por ter sido vítima de um impeachment sem crime de responsabilidade.
Postagens sobre bolsonaristas presos
Com postura progressista, Valois conquistou um grande número de seguidores nas redes. Além da atuação como juiz, tem o hábito de falar sobre lutas (é faixa preta em jiu jitsu), o cotidiano familiar e o cenário jurídico e político do país.
Nas últimas semanas, fez várias postagens a respeito da situação dos bolsonaristas presos após as cenas de vandalismo golpista em Brasília no último dia 8 de janeiro, quase sempre com tom bem humorado. "Aos que estão precisando de advogados criminalistas, cuidado com os advogados que acham normal o juiz combinar a condenação com o promotor em grupo de Telegram", disse, em uma das postagens.
O advogado criminalista e professor universitário Bruno Seligman de Menezes, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sugere que postagens nesse teor possam ter motivado a decisão de suspender a conta de Valois. Porém, lembra que "as informações estavam todas corretas".
Menezes destacou que o posicionamento de Valois é essencialmente progressista em um meio extremamente conservador. Ele destaca que não teve contato com a decisão judicial que teria motivado o bloqueio das postagens do magistrado, mas afirmou que a velocidade com que houve essa resposta às mensagens de Valois difere do que acontece com outros integrantes do judiciário.
"Ao longo dos últimos dois anos, uma série de magistrados alimentaram nas redes posicionamentos politicos questionáveis, contrários à higidez do processo eleitoral, contrários à vacinação, ao isolamento, condescendência com golpismo; outros foram coaches, o que é vedado pelo CNJ, e não tiveram - ou demoraram a ter - a reação", disse.
Para Menezes, ao mesmo tempo que a postura de Valois fez com que ele conquistasse admiradores, a forma como atua e se pronuncia nas redes sociais também chamou atenção de pessoas que se posicionam de maneira distinta.
"Ele é um juiz bastante popular junto a setores mais progressistas. Ao meu ver, posições bastante razoáveis e adequadas, o que não significa, necessariamente, que não sejam polêmicas. A discussão crítica sobre esses pontos que são cheios de preconceitos é extremamente saudável. Não vejo como um problema, mas é inegável que atrai atenção tanto de 'haters' quanto dos órgãos correicionais", complementou.
Edição: Nicolau Soares