Irmão, você não podia ser racista em nenhuma instância
Antes de começar a fazer comédia stand-up, por volta de 2006, em sua cidade natal, Pojuca, região metropolitana de Salvador, João Paulo de Oliveira, conhecido artisticamente como João Pimenta, acreditava que o caminho que encontraria para se expressar seria pelo rap. A recepção do público ao lançar as primeiras rimas foi frustrante, mas indicou o caminho que precisaria seguir para atingir o que queria.
“As pessoas ouviam o meu timbre de voz e riam do que eu falava. Aí eu comecei a ficar um pouco aborrecido, porque não era a intenção gerar o riso", conta o humorista em entrevista ao programa Bem Viver desta quarta-feira (18).
Naquele momento não era, mas, hoje, é com isso que João Pimenta trabalha e foi o que garantiu o sucesso nacional, inclusive, a entrada, em 2021, no canal Porta dos Fundos e o em outros projetos que o artista participa hoje.
Em dezembro, João Pimenta foi um dos protagonistas do espetáculo Humor Negro, transmitido na Globoplay e também no Multishow, focado em exaltar e dar o devido palco para grandes comediantes negros brasileiros. A peça contou com Tia Má, Sulivã Bispo, Jhordan Matheus, Niny Magalhães e Evaldo Macarrão. O produto foi gravado no Teatro Vila Velha, em Salvador.
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O trabalho vanguardista que ele protagoniza na companhia de outros artistas do humor brasileiro recebeu nome. “É a comédia do incômodo”, define João Pimenta.
“Minha comédia incomoda, sim. Eu ataco realmente quem foi, durante muito tempo, o protagonista do sofrimento de vários povos e estava no local de privilégio, que nunca imaginou que seria atacado. E o máximo de ataque que ele sofre é uma piada, não é ser morto pela polícia, coisa que a gente vive o tempo todo", ressalta.
Apropriação comercial de pautas sociais
Ao mesmo tempo que se orgulha dos espaços conquistados no mercado, João Pimenta afirma ter a consciência de que existem grupos lucrando com o movimento antirracista protagonizado pelo artista. “As grandes marcas e instituições estão vendo que pautas sociais também são comerciais. Você não via tempos atrás produtos capilares para pessoas de cabelo crespo, e aí, do nada, começou a surgir. Isso foi por questões comerciais, de mercado.”
“O pulo do gato é a gente, enquanto ser social, entender o quanto essa capitalização pode ser jogada lado a lado com as nossas pautas. A gente tem que captar a grana, ter os acessos. Não pode ficar na ‘arte pela arte’. Só aceitar ficar aparecendo quando a gente precisa estampar uma capa de uma marca que quer ressignificar a proposta racista dela de uns anos atrás”, denuncia o comediante.
Conscientização
Embora hoje a comédia de João Pimenta seja muito vinculada com um trabalho de conscientização racial e combate à discriminação, anos atrás, talvez, nem o próprio artista concordaria com as ideias apresentadas no espetáculo dele.
“Eu sempre compartilho com pessoas mais jovens que eu cresci uma pessoa doutrinada dentro da periferia e sem saber os conceitos básicos de questões sociais. Como eu fui doutrinada a acreditar em várias coisas que eram sistemáticas? Como eu fui doutrinado a acreditar que a polícia deveria fazer o trabalho dela, de matar as pessoas?", indaga.
A descoberta da doutrinação a que estava submetido gerou uma certeza em João Pimenta: “Não tinha como eu ir pra outro caminho dentro da comédia que não fosse, justamente, um trabalho educacional antirracista", afirma.
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O humorista explica que assumir esse posicionamento significou bater de frente com uma tendência consolidada da comédia brasileira. “As pautas sociais aqui dentro da comédia ainda são muito vistas como mimimi.”
João Pimenta lembra a lei sancionada recentemente pelo presidente Lula que equipara as penas do crime de injúria racial ao de racismo, que é inafiançável e imprescritível. Segundo ele, depois da publicação da legislação, ouviu questionamentos de comediantes sobre as mudanças. “'Meu Deus, como assim? Eu não vou poder ser mais racista?’ Irmão, você não podia ser racista em nenhuma instância", responde.
Card Bem Viver / Brasil de Fato
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Edição: Geisa Marques
