MEMÓRIA

Conheça o Museu do Cangaço, que resgata a história de Lampião e preserva a cultura nordestina

Criado nos anos 1990, em Serra Talhada (PE), espaço cultural abriga o maior acervo sobre a memória do cangaço do Brasil

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O Museu do Cangaço conta com mais de 2.300 peças entre fotografias, armas, moedas e documentos - Reprodução
Lampião era uma figura contraditória e as pessoas tinham vergonha de dizer que eram de Serra Talhada

A cidade de Serra Talhada, conhecida como a terra do xaxado, está localizada no sertão pernambucano e costuma ser lembrada por ser a terra natal de Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião. O 'Rei do Cangaço' se tornou o principal nome quando se fala em “banditismo social” por comandar um grupo com cerca de 200 pessoas e ter sido procurado em 7 dos 9 estados do Nordeste.

Para preservar a memória do cangaço, moradores do município de Serra Talhada criaram um museu nos anos 1990, que hoje abriga o maior acervo sobre a memória do cangaço do Brasil. O espaço conta com mais de 2.300 peças entre fotografias, armas, moedas e documentos – como bilhetes escritos pelo próprio Lampião. 

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O que começou com um grupo de xaxado, se tornou a Fundação Cabras de Lampião, uma iniciativa de fortalecimento da cultura e da identidade do povo de Serra Talhada por meio do do museu, da pesquisa e da dança.

“Lampião era uma figura muito contraditória e, por isso, muitas vezes as pessoas ficavam com vergonha de dizer que eram de Serra Talhada, da terra dele. Só que Lampião, por sua história e sua trajetória, fez parte de um movimento muito forte no Nordeste, que faz parte de um capítulo importante da história do Brasil. Então, por que nós, serratalhadenses, conterrâneos de Lampião, teríamos vergonha disso? A gente teria que se empoderar dessa história, preservar e difundir da forma mais correta possível”, afirma Cleonice Maria dos Santos, presidenta da Fundação.


Lampião e Maria Bonita com seus seguidores / Domínio Público

Apesar de o cangaço carregar o estigma do banditismo e da violência, o museu reforça um lado pouco mostrado: o da cultura que pulsava forte entre os cangaceiros, como o xaxado, que teria sido criado por integrantes do bando de Lampião.

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O historiador Anildomá Willians é natural de Serra Talhada e, desde pequeno, ouve histórias sobre os cangaceiros e suas influências na cidade. 

“O cangaço é um dos poucos recortes da cultura brasileira que tem tudo próprio, música, indumentária, poesia própria. O cangaço tem dança própria. E tem um ambiente único, que é esse sertão, esse sol causticante, amarelado, que impacta, que quando sobrepõe a vegetação, a caatinga cinzenta, gera uma plástica belíssima. Então, nós temos tudo próprio, nós temos uma gastronomia própria. Todas as linguagens artísticas nós temos dentro do cangaço”, destaca Willians, que escreveu cinco livros sobre o tema. 

O cangaço surgiu como um movimento de resistência pela revolta contra o descaso do estado em relação à região Nordeste, principalmente nas áreas do Sertão.


Museu do Cangaço reúne objetos utilizados por Lampião e seu bando / Reprodução

“Era a ausência do Estado que criou uma situação fértil e favorável para a criação do cangaço. Nós não tínhamos escolas, não tínhamos estrada, não tínhamos energia elétrica e, por incrível que pareça, se você estudar um pouco mais aprofundado a questão do cangaço, qualquer pessoa que fizer isso, vai perceber que as estradas chegaram no nordeste para facilitar a mobilização da polícia na perseguição aos cangaceiros”, ressalta o historiador.  

Lampião foi o cangaceiro que permaneceu por mais tempo como chefe de bando. Foram quase duas décadas. Todos os outros que se tem registro se afastaram ou morreram após três ou quatro anos.Ele se destacou não só pelo tempo de vida no cangaço, mas por sua rede de proteção e por ter sido o primeiro cangaceiro a ser fotografado e aparecer diante das câmeras.

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“A questão de liderança, a questão estratégica, a questão do poder de mobilização, o poder de enganar o Estado, o poder de confundir autoridades. Tudo isso despertava, com Lampião ainda vivo, aquela lenda, aquele cara assim que era diferente do normal das pessoas, a capacidade de Lampião dialogar, de Lampião se pronunciar, de Lampião se manifestar. Então, isso já despertava o encanto das pessoas”, explica Willians. 

É por esses motivos que o Museu do Cangaço tem uma grande preocupação em preservar o que foi deixado pelos cangaceiros: um legado que é parte importante da história e da cultura nordestina.

“Tem todo um legado cultural que é muito bonito e muito rico para a gente simplesmente restringir essas coisas num movimento de banditismo. A gente viu esse outro lado. Tem o lado histórico, tem o lado cultural e tem toda essa beleza plástica que o cangaço deixou para a gente”, afirma Santos. 

A presidenta da Fundação Cabras de Lampião reconhece que Virgulino foi uma figura estigmatizada como bandido, mas “a gente não tem esse olhar para Lampião ou para os cangaceiros. O nosso olhar é para o movimento que fez parte da cultura do Brasil. Por isso, essa memória precisa ser preservada”, complementa. 

Edição: Douglas Matos