Grupos de bolsonaristas estão articulando uma campanha nas redes sociais e em outros ambientes para tentar turbinar a candidatura do ex-ministro do Desenvolvimento Regional e senador eleito Rogério Marinho (PL-RN) à presidência do Senado. A ideia é criar uma concorrência que seja capaz de abalar a força do preferido de Lula (PT) e atual presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na busca pela reeleição.
A disputa ocorre em 1º de fevereiro, quando se iniciam os mandatos da legislatura 2023-2026. Até lá a ala bolsonarista investe em uma intensa pressão para tentar convencer os parlamentares a rejeitarem o nome do atual mandatário e abraçarem a candidatura de Marinho, que é bancada politicamente pelo presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro.
No jogo legislativo, alavancar a chapa do ex-ministro significaria dar peso à corrente bolsonarista na Casa para, com isso, inflamar a fogueira das disputas entre governistas e opositores e frear os planos da gestão Lula no Senado. Uma plataforma virtual lançada pelo próprio movimento pró-Marinho projeta, até este sábado (21), que o atual presidente teria 34 votos entre os pares. Enquanto isso, a ala bolsonarista contaria com 25 votos e 23 parlamentares ainda estariam com posicionamento indefinido.
Na realidade prática do jogo, não é possível saber ao certo a posição de cada senador em relação ao pleito, motivo pelo qual a matemática de cada segmento fica na esfera das projeções. Assim, os cálculos correm soltos de cada lado. Aliados de Marinho dizem contar com 35 votos neste momento. Já os apoiadores de Pacheco falam em uma média de 55 a 60 votos a favor da reeleição do senador mineiro. Somados, os dois cálculos ultrapassam a totalidade de cadeiras da Casa, que conta apenas com 81 parlamentares, o que reforça a constante suspeita de inchaço dos números.
Pelas regras, leva a disputa quem obtiver 41 apoios, mas, como o voto é secreto, a votação tende a deixar os senadores mais confortáveis caso queiram divergir dos acordos feitos pelos seus próprios partidos, por exemplo. Sempre muito presente no xadrez da política, o componente da traição pode pesar no placar final.
“Diante das forças hoje que compõem o Senado, eu diria que talvez o Marinho tenha o apoio do PL, o Progressistas (PP) é um partido menor dentro do Senado, tem menos representantes e não sei nem se ele goza da simpatia de todo o PP. Então, eventualmente, ali pode haver dissidências. Até dentro do PL eu acredito em uma ou outra dissidência, considerando o perfil um pouco mais diversificado que se tem dentro da bancada”, ensaia o consultor e analista político Leonel Cupertino.
Tração
Analistas ouvidos pela reportagem não acreditam que o método da campanha bolsonarista obtenha o êxito desejado junto aos senadores, por uma série de razões. Diferentemente do que ocorre na Câmara, onde os políticos são menos experientes, mais vinculados às orientações partidárias e também mais afeitos aos debates apaixonados e polarizados, no Senado, os parlamentares têm repertório político mais amadurecido, maior controle sobre os rumos dos seus mandatos e, portanto, mostram-se menos permeáveis a esse tipo de assédio popular.
“Geralmente, os senadores são políticos que baixam a temperatura do debate e fazem uma construção mais institucionalizada [dos acordos]. Então, esse tipo de ação não pega bem para aquele candidato que esteja tentando amalgamar apoios e angariar votos. Isso desfavorece o ex-ministro e favorece o atual presidente, Rodrigo Pacheco”, afirma Cupertino.
O professor Ricardo Braga, do mestrado em Poder Legislativo do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados (Cefor), levanta ainda outro aspecto. Ele pontua que a mobilização bolsonarista pró-Marinho não tende a obter grande impacto no jogo também porque, de forma diversa do que ocorre no pleito para escolha de parlamentares e chefes de Executivo, a eleição dos comandantes das casas legislativas tem caráter mais interno e por isso pouco espaço para absorver a influência do ativismo digital.
“Então, o que a gente vê nessas candidaturas dentro do Legislativo é que elas levam em conta coalizões e agrupamentos internos e o peso sempre muito grande – a história mostra isso – de quem já está no cargo, que concorre à reeleição, e também o peso do Poder Executivo, do presidente da República”, observa.
Dianteira
Fazendo a análise por esse fluxo, Braga assinala que Pacheco larga na frente na corrida por deter um capital relacionado ao “poder da caneta”, conforme se costuma dizer no ambiente político. Pelo fato de já ocupar o cargo, o atual presidente tem a seu favor o histórico de relações já consolidadas com alguns pares e bancadas. A fama de político que cumpre acordos também o ajuda em meio às costuras, entre outras características que pesam nas tratativas.
“Ele tem mais credibilidade pra construir acordos justamente porque já mostrou capacidade de honrar acordos. O Pacheco já tem ali as ferramentas, tem a reputação e, no caso, reputação de um político respeitável com os pares. Ele não é um ‘passador de rasteira’, então, conta com essa vantagem. A outra questão é que claramente ele é o candidato do Executivo”, destrincha o professor do Cefor.
Lula
O apoio de Lula e do PT à candidatura de Pacheco é algo que começou a ter sinais públicos desde antes das eleições de outubro, ainda no primeiro semestre de 2022, quando os partidos se movimentavam em torno das chapas que concorreriam no pleito.
Na ocasião, as tratativas em Minas Gerais, base eleitoral de Pacheco, emitiram sinais que mais tarde se consolidariam em torno do hoje conhecido apoio dos petistas à reeleição do senador ao comando da Casa. Ainda em maio, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), que já havia sido apresentado como pré-candidato do PT ao Senado no estado, abriu mão da corrida em nome de um acordo voltado aos planos nacionais do partido.
Em vez de lançar Lopes, o PT deu preferência a um arranjo com Alexandre Kalil (PSD), ex-prefeito de Belo Horizonte e correligionário do atual presidente do Senado. A combinação envolvia um apoio do PSD à chapa presidencial de Lula em troca do engajamento do PT nas campanhas de Kalil ao governo do estado e de Alexandre Silveira (PSD) ao Senado.
“Na época, o PT não se intrometeu nem mesmo na vice do Kalil. Então, aquilo foi um cenário que deixou o Pacheco muito confortável, e ali estava sendo construída uma certa defesa da frente ampla democrática em torno do Lula. Isso tudo mostra uma aproximação muito grande do Lula com o Pacheco, e eu não vi elemento nenhum nesses últimos meses que mostre algum afastamento. Aliás, houve o contrário”, analisa Ricardo Braga, ao reforçar que o apoio de Lula a Pacheco tende a seguir colocando peso na disputa a favor do atual mandatário do Senado.
Relevância
O cargo de presidente do Senado tem importância tática para um presidente da República. Entre outras coisas, o ocupante do posto tem o poder de acolher ou rechaçar pedidos de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Por conta disso, a disputa pelo cargo faz a ala bolsonarista brilhar os olhos, especialmente no sentido de mirar o ministro Alexandre de Moraes, presidente dos inquéritos que hoje ameaçam Bolsonaro e aliados e alvo constante dos discursos de ódio dos extremistas.
Além disso, o presidente da Casa tem o poder de instalar Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) e articular ou atrapalhar pautas de interesse do chefe do Executivo. “Tem um fato que é fundamental e tem a ver com a institucionalidade: os presidentes da Câmara e do Senado têm o poder dado pela Constituição para controlar a pauta das casas legislativas. Tudo é negociado e definido a partir de acordo, mas o poder institucional do presidente de cada casa é estratégico. Então, para o governo Lula manter um nível de governabilidade aceitável, previsível, ele não pode cogitar sob nenhuma hipótese a possibilidade de perder a disputa da presidência do Senado para aquele grupo mais alinhado ao bolsonarismo”, interpreta o analista e doutor em ciência política Leandro Gabiati.
Ele ressalta que a importância da reeleição de Pacheco para Lula se amplia no atual cenário especialmente diante do perfil do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que está com o caminho pavimentado para garantir mais dois anos à frente da Casa. Apoiador de Bolsonaro em diversas frentes nos últimos quatro anos, o parlamentar alagoano tem histórico de grandes embates com a esquerda e perfil escorregadio para o PT. “Geralmente, a eleição da Câmara é a mais relevante numa situação de normalidade, mas, como temos o Lira com um poder muito grande já na Casa e com a reeleição dele praticamente amarrada, o foco hoje passa para o que acontecerá no Senado”, observa Gabiati.
Marinho X Girão
Uma terceira candidatura à presidência do Senado, a de Eduardo Girão (Podemos-CE), também figura no cenário. Parlamentar de perfil conservador, o senador cearense se elegeu em 2018 no rastro do então candidato Jair Bolsonaro e apoiou o governo do ex-capitão em diversas pautas ao longo dos últimos anos, inclusive ajudando a endossar os discursos negacionistas no âmbito da CPI da Covid.
Girão, no entanto, tem pouca capacidade de articulação política dentro da Casa, sendo visto como um dos personagens do “baixo clero”, e por isso tem menor adesão entre os pares. Com a derrota eleitoral de Bolsonaro e a ascensão de Lula ao Planalto, a tendência é que a divisão do bolsonarismo em duas candidaturas enfraqueça a corrente na disputa. Por conta disso, Girão enfrenta pressão de grupos bolsonaristas para que abandone a corrida.
Por outro lado, há quem aposte que Marinho também pode desistir da corrida adiante em troca de dividendos pró-PL nas negociações pela distribuição de cargos internos na Casa. A projeção é alimentada por aliados de Pacheco. “Mas eu acredito que a candidatura do ex-ministro marque uma posição importante daqueles aliados do antigo governo. Diante desse cenário e das reiteradas declarações do presidente do PL, eu não acredito – neste momento, pelo menos – que o Rogério Marinho vá desistir da candidatura diante do favoritismo do atual presidente do Senado”, pondera Leonel Cupertino.
Edição: Glauco Faria