Uma família de imigrantes peruanos dona de um restaurante na capital paulista se tornou vítima de uma série de ataques realizados por bolsonaristas irritados com uma mensagem irônica sobre os gastos do então presidente Jair Bolsonaro (PL) com o cartão corporativo. Os números, divulgados no último dia 12, não incomodaram os seguidores do presidente, mas a crítica bem humorada do restaurante Doña Bertha Comida Peruana foi o suficiente para a campanha de ódio.
"Aqui você pode vir almoçar tranquilo que sua conta não vai dar 9 mil reais", dizia o texto escrito com giz em um pequeno quadro afixado à porta do restaurante. O valor fazia referência a um dos muitos gastos que chamaram atenção na planilha divulgada com os valores despendidos por Bolsonaro e auxiliares nos últimos anos. Em um só dia, 15 de abril de 2022, cartão corporativo do governo foi usado para realizar seis pagamentos de R$ 9.500 em uma só lanchonete de São Paulo.
Manifestações de ódio aconteceram após mensagem bem humorada viralizar / Reprodução
O gerente do restaurante, Martín Suárez – filho da Doña Bertha, responsável pela cozinha e que dá nome ao restaurante – contou ao Brasil de Fato que o quadrinho em questão sempre tem mensagens bem humoradas, com diversos assuntos. Muitas delas de cunho político. Apesar de ter havido críticas pontuais, desta vez a coisa foi além.
"É nossa primeira vez com algo com um volume tão alto. Já tinha recebido mensagens isoladas de alguém incomodado, ou algum comentário no Instagram em cima de uma foto, e tal. Não era nada tão aparente quanto foi desta vez. A gente acredita sim, que foi orquestrado, porque tinha hora específica para começar e foi tudo de uma vez, tudo junto", contou.
Segundo Martín, uma foto da placa foi compartilhada em grupos de pessoas com orientação política de esquerda, mas, na sequência, a imagem passou a circular em grupos de pessoas de extrema-direita, que organizaram os ataques.
As agressões aconteceram entre sexta-feira e sábado (20 e 21 de janeiro). Além de mensagens ofensivas nas postagens na página do restaurante no Instagram, quase sempre com perfis "fakes", foram enviadas mensagens privadas pela rede social e pelo WhatsApp do restaurante e realizadas ligações telefônicas com ofensas e ameaças. Um dos perfis escreveu coisas como "quero ver o fim de vocês muito em breve, pode esperar".
Os bolsonaristas também se organizaram para realizar avaliações negativas do restaurante junto ao Google, com o objetivo de diminuir a média das notas dadas pelos usuários. Espaço acolhedor que oferece comida de alta qualidade, o restaurante tinha uma nota alta nas avaliações, e houve uma queda após o ataque. O processo foi revertido, porém, com uma onda de solidariedade.
"Muita gente que não conhece a gente, mas nos segue nas redes sociais, falou que vai ao restaurante; muitas pessoas mandaram para família, amigos, pessoal do trabalho, para nos apoiar. Também estabelecimentos amigos nossos fizeram a mesma coisa, para tentar inibir esses ataques. Foi uma briga virtual, mensagem por mensagem, avaliação por avaliação", complementou Martín.
O restaurante atende aos sábados e domingos, na casa dos Suárez. Além de Martín, outro filho de Doña Bertha, Marco, também trabalha no local, assim como outras três pessoas de fora da família. O estabelecimento completou dez anos no último mês de junho, e está totalmente integrado à comunidade do bairro.
"É algo muito bonito de se ver, de entender e confirmar o quanto as pessoas gostam da gente, o quanto a gente faz tem validade, além de simplesmente servir comida. Foi muito bom entender e sentir isso de novo, com muita força. Quando a maldade apareceu, a bondade das pessoas também apareceu, com muito mais força, ainda", destacou o gerente.
Resposta na Justiça
Apesar do esforço coletivo ter dado resultado e o ataque, cessado, a família Suárez não pretende deixar a agresão sem resposta. Eles estão contando com apoio para definir quais os passos serão tomados na esfera judicial.
"Neste momento, não tenho nem ideia do que fez repercutir tanto, uma placa irônica dessa, como sempre foi. A gente atua dessa maneira com nossas placas com marketing irônico, tirando sarro de algumas questões, não só politicamente, mas também datas comerciais, em tudo que tem a ver no nosso dia a dia, o que acontece semana por semana. Já tinha acontecido antes de alguém mandar mensagem com cunho político, mas foi só uma pessoa, nada tão sério quanto pra juntar tantas pessoas para fazer a mesma coisa", concluiu Martín.