A marginalização nas relações afetivas, no ambiente de ensino, no mercado de trabalho e nas políticas públicas é uma realidade para as pessoas transsexuais e travestis no Brasil. Mas essa crueldade diária não deve ser a face definidora da identidade trans no imaginário social. Vencer a estigmatização é um dos passos essenciais para a humanização desses corpos. Por isso, iniciativas que dão visibilidade a imagens positivas das pessoas trans, colocando-as como protagonistas e produtoras de conhecimento, arte e outras formas de expressão, devem ser incentivadas, apoiadas e divulgadas.
É com esse intuito que nasce, no Distrito Federal, o projeto “Grafita!Trans”. Usando a arte como ferramenta de transformação, a iniciativa pretende lutar pelo direito à cidade e ser um instrumento de profissionalização para pessoas trans periféricas do DF, produzindo condições de empregabilidade e senso de coletividade.
:: Há 13 anos no topo da lista, Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo ::
“Queremos trazer a visibilidade trans impressa na arquitetura da cidade como forma de ecoar as vozes, a arte, e gerar oportunidades para essas pessoas que são sistematicamente excluídas da sociedade, plantando uma semente para que muitas outras se empoderem e transformem suas narrativas. Não só aquelas que participarem do projeto, como também as pessoas que tiverem contato com o resultado do mesmo de forma virtual. Vamos diminuir a situação de exclusão social em que esse grupo está inserido”, explica Klaus Antônio Miranda, estudante de turismo, socioeducador, grafiteiro trans e idealizador do projeto.
Vivendo à margem
A empregabilidade de pessoas trans no Brasil, um dos pontos centrais do projeto, apresenta dados preocupantes. De acordo com estimativa da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), 90% da população trans atua no mercado informal de trabalho, nos chamados subempregos.
Isso é, em grande medida, reflexo de outra forma de exclusão vivenciada por essas pessoas: a evasão escolar. Com uma educação nada diversa e inclusiva e profissionais omissos à transfobia, muitas escolas se tornam um ambiente de discriminação e sofrimento. A Antra estima que 70% das pessoas trans abandonam o ensino básico formal e não concluem o ensino médio. Apenas 0,02% chegam ao ensino superior.
Todas esses obstáculos à uma vida digna interagem e produzem uma situação de extrema vulnerabilidade social. Como resultado, em 2022, o Brasil, por mais um ano, figurou como o país que mais mata pessoas transsexuais no mundo.
De acordo com “Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2022”, produzido pela ANTRA, 131 pessoas trans foram assassinadas no ano passado no Brasil. O número representa um aumento de 126% em relação a 2008, ano em que a ONG Transgender Europe (TGEU) iniciou o monitoramento global.
Segundo o levantamento da ANTRA, o Distrito Federal figura na 21ª posição do ranking de assassinatos de trans por estado, com duas ocorrências. Em 2021, o DF esteve em 18º, também com duas ocorrências. Goiás figura entre os 10 estados que mais assassinaram pessoas trans de 2017 a 2022, com 33 casos.
A arte salva
De acordo com o idealizador do projeto, o Grafita!Trans surge como uma ferramenta geradora de possibilidades para a profissionalização e criação de coletivos. O objetivo é possibilitar que as pessoas participantes utilizem o graffiti como forma de expressão e de geração de renda.
“O Grafita!Trans nasce não apenas como forma de levar o graffiti para pessoas de cidades periféricas do Distrito Federal, mas também como fator de conscientização a respeito da reivindicação de espaços urbanos, da coletividade em prol das muitas identidades trans que não tiveram a oportunidade de estar inseridas naquele contexto, e como forma de disseminar o graffiti como instrumento de profissionalização” explica.
Com suporte do FAC (Fundo de Apoio à Cultura), da Secretaria de Cultura do DF, e do Complexo Cultural de Samambaia, o projeto vai oferecer um ciclo de oficinas abordando temáticas sobre profissionalização, técnicas de graffiti e transgeneridade.
Ao todo, quinze pessoas trans moradoras de cidades periféricas do DF foram selecionadas para participar das atividades. As pessoas que participarem do projeto receberão material didático, kits de sprays para prática e bolsa-auxílio. Como resultado final do projeto, serão produzidos três murais na cidade de Samambaia.
“O graffiti é um movimento que busca ocupar e ressignificar o espaço urbano como um espaço comunitário, de respeito e valorização dos pensadores de rua. A realidade dentro do graffiti precisa ser pensada de uma forma agregadora para pessoas de comunidades periféricas, conscientizando e levando à tona o propósito dessa manifestação artística: dar voz a quem é silenciade de tantas formas”, afirma a organização.
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Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Flávia Quirino