O governo federal editou uma nota técnica para orientar a doação de alimentos e bens móveis aos Yanomami. O documento, assinado pela Funai e pela Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, foi divulgado nesta sexta-feira (3), embora tenha sido redigido no último dia 1º.
O governo explicita que as doações devem ser submetidas ao Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública Yanomami, que decidirá se aceita ou não a oferta.
A nota técnica não menciona especificamente o veto à doação de ultraprocessados, mas define uma lista que exclui esses itens.
E enfatiza: “Considerando o alto índice de déficit nutricional e de insegurança alimentar na Terra Indígena Yanomami, a demanda mais urgente no momento é por distribuição de alimentos saudáveis e culturalmente adequados, os quais são indispensáveis para a recuperação nutricional das crianças. Para definição dos itens abaixo, foram consultadas lideranças das organizações indígenas do povo Yanomami e especialistas em nutrição humana.”
Na segunda quinzena de janeiro, o governo federal realizou uma expedição, encabeçada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para averiguar as condições do povo Yanomami. Desde então, acumulam-se denúncias de falta de assistência médica e alimentar, com uma tragédia humanitária classificada pela atual gestão como uma tentativa de genocídio por parte do mandato de Jair Bolsonaro. Além de haver se recusado a prestar a atenção adequada ao assunto, os bolsonaristas estimularam o garimpo ilegal na terra Yanomami – o cálculo é de que ao menos 20 mil garimpeiros operassem no local.
A nota técnica admite que a doação de alimentos será necessária até que se estabeleçam soluções duradouras, em particular as roças tradicionais. Dessa maneira, a recomendação é de que sejam encaminhadas cestas básicas de 21 quilos contendo os seguintes itens: peixe em conserva; paçoca de carne seca ou carne seca; leite em pó; castanha do Pará ou amendoim; goma de tapioca; arroz; farinha de milho; e farinha de mandioca puba grossa.
“Elencamos também uma listagem de itens perecíveis que fazem parte da cultura alimentar dos povos Yanomami e que são possíveis de serem distribuídos”, segue a nota técnica, dando como exemplo macaxeira, banana da terra, inhame, milho, batata doce e palmito pupunha.
Os interessados em ajudar devem procurar o governo pelo e-mail [email protected]. “Cumpre ressaltar que, conforme levantamento realizado, para atender todas as famílias Yanomami das regiões prioritárias para recebimento de cestas, serão necessárias 12.692 cestas mensais”, conclui o texto, que acrescenta uma série de ferramentas que podem ser objeto de doação.
Também em nota, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável havia cobrado do governo que regulamentasse o encaminhamento de doações aos Yanomami. A coalizão de organizações não governamentais e pesquisadores apontou a necessidade de que, mesmo em uma situação de emergência, os modos de vida tradicionais sejam respeitados.
“Assim como ocorrido ao longo da pandemia de Covid-19, indústrias de alimentos estão se apresentando para colaborar com o enfrentamento do problema, neste caso, por meio de doação de alimentos ultraprocessados que não são condizentes com a cultura alimentar deste povo e que causam problemas de saúde e acarretam a morte de 57 mil brasileiros por ano”, diz a Aliança.
O iFood é uma das empresas que fez publicidade em torno do caso. A plataforma de entregas disse ter se aliado à Ação da Cidadania e à Central Única de Favelas para arrecadar doações aos indígenas. A nota da Aliança critica esse tipo de conduta: “Apesar da aparente boa ação, estas iniciativas do setor privado são, na verdade, uma estratégia de publicidade e marketing (social washing), que vinculam a ação da empresa e os produtos doados a ideais de engajamento e responsabilidade social. Essa estratégia não colabora para a solução estrutural dos problemas, mas promove a marca e os produtos doados e estimula o seu consumo.”