Este domingo, 5 de fevereiro, marca os 49 anos da morte de Manoel dos Reis Machado, conhecido como Mestre Bimba, o criador da Capoeira Regional que ganhou o Brasil e o mundo. Ainda hoje, Mestre Bimba é referência e inspiração.
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Hellio de Campos, batizado Mestre Xareu por Mestre Bimba, se formou em Capoeira Regional com o próprio Mestre Bimba e, ao lado de Raimundo Cesar de Almeida, conhecido como Mestre Itapoan, fundou a Ginga Associação de Capoeira em Salvador (BA).
“Mestre Bimba é o negro [...] soteropolitano, ele não teve instrução formal e por isso trabalhou como carpinteiro, como motoqueiro, carregador e carroceiro, mas teve a coragem de se tornar um capoeirista e ser um Mestre de Capoeira. E, depois, criar também uma capoeira que é um divisor de águas que se chama Capoeira Regional de Mestre Bimba. Montou uma academia e como ele mesmo dizia 'tirei a capoeira debaixo do pé do boi' no intuito de sair das ruas. Aquela capoeira que era perseguida pelos policiais, que era perseguida pelo código penal brasileiro na época e leva para as quatro paredes”, lembra.
Origem
A capoeira se originou na época da escravidão no Brasil, quando muitos negros africanos foram sequestrados e trazidos para trabalhar nos engenhos, fazendas, roças e casas de senhores. A capoeira então começa a surgir como uma forma de luta e resistência, mas com movimentos disfarçados para que os senhores de engenho não pensassem que os escravos estavam organizando uma rebelião.
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Após a abolição da escravidão, não houve a implementação de políticas públicas de inserção dessa população na sociedade, que acabou marginalizada. Mestre Bimba então desempenha um papel importantíssimo na história da construção da resistência quando cria a Capoeira Regional, fundando a primeira Academia em 1932.
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“Quando ele, observando a capoeira praticada na época, chamada hoje de Capoeira Angola, aquela capoeira que era praticada na rua. Ele muitas vezes contou que as pessoas praticavam a capoeira na rua, com muitos trejeitos, sendo uma forma de conseguir dinheiro na rua. E a polícia vinha ao encalço e prendia essas pessoas, como ele mesmo disse, amarravam a cavalaria, amarravam os capoeiristas pelos punhos e arrastavam pelo percurso até as delegacias. E ele vendo aquilo, ele não concordava com essa situação e achava que a capoeira estava perdendo a sua essência de luta e de resistência, portanto ele criou a Capoeira Regional”, conta Mestre Xareu.
Regras
Mestre Bimba tinha algumas regras para os praticantes da Capoeira Regional. Não beber e não fumar - pois influenciavam no desempenho e a consciência da capoeira; evitar demonstrações de todas as técnicas - pois a surpresa é a principal arma; praticar os fundamentos todos os dias e não dispersar durante as aulas; e manter o corpo relaxado e o mais próximo do seu adversário possível.
Mestre Bimba, criador da Capoeira Regional / Acervo Ginga Associação de Capoeira
Imaginário
Com uma nova conotação na sociedade, passando a ser vista como luta, dança e arte, a capoeira foi ganhando espaço. Apenas em 1937 a manifestação deixou de ser considerada crime no Brasil e a Academia de Mestre Bimba ganhou seu alvará de funcionamento com a descriminalização da prática.
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“Mestre Bimba era acima de tudo um grande comunicador, era um Mestre de capoeira visionário, que dizia que queria ver a capoeira no mundo inteiro e não se furtava em apresentar a capoeira em qualquer ambiente que fosse. Fosse no ginásio de esportes, fosse numa escola pública, fosse, como foi a apresentação para o governador e o presidente da República Getúlio Vargas e tantas outras apresentações que fez, inclusive, com a saída de Salvador para o Rio de Janeiro, para ir a São Paulo, para ir a Minas, para ir ao Ceará apresentar a sua capoeira”, continua o Mestre soteropolitano”, explica Mestre Xareu.
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Mestre Itapoan, praticante da capoeira há 57 anos, lembra que foi apenas após esta apresentação ao presidente que a capoeira deixou de ser crime.
“Na década de 30, o Mestre fez várias apresentações para os Governos da Bahia e em 1953 se apresentou no Palácio da Aclamação, em Salvador, para o Presidente Getúlio Vargas que, após assistir a apresentação disse: ‘Esse deve ser considerado o Esporte Nacional Brasileiro’. Então a perseguição diminuiu e no Código Penal de 52 já não constava mais o artigo: Dos Vadios e Capoeiras”.
Preservação
Hoje há dois tipos de capoeira, a Capoeira Angola, representada por Mestre Pastinha, e a Capoeira Regional de Mestre Bimba, explica Mestre Xareu.
“A questão da preservação dessas atividades culturais, da capoeira como atividade cultural, afrodescendente, é de fundamental importância. No sentido de que para mostrar um pouco dessa história do Brasil, aliás, muito talvez da história dos negros, escravos e dos modos viventes desse povo e que forma essa capoeira que, além de ser uma questão cultural importante, ela também deve ser preservada como uma forma de educação, de cultura, de promover a vida das pessoas”.
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Em 1996, Mestre Xareu fez parte da movimentação que concedeu a Mestre Bimba o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia.
“No meu olhar, na minha percepção, hoje a capoeira é reconhecida no mundo inteiro como atividade importantíssima para a cultura brasileira, para a manifestação do conhecimento da cultura brasileira porque ela é vista como uma atividade educacional, cultural, de tradição, que representa resistência do povo brasileiro, que representa resistência do povo escravizado no Brasil. E além de contar a história do Brasil, também aparece como uma grande difusora, vamos assim falar, da língua portuguesa”, explica.
Legado no tempo
Mas quem foi Mestre Bimba? Muitos formados por ele, não querem ser chamados de ex-alunos de Mestre Bimba, porque dizem que, ainda hoje, continuam aprendendo com seus ensinamentos, explica Mestre Xareu.
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Um homem visionário, pobre no sentido da questão econômica financeira, mas muito rico na questão dos saberes, da sua honestidade, do seu caráter.
“Agora que eu estou falando com vocês aqui, com você aqui, tem, em algum lugar do mundo, alguém está cantando Mestre Bimba, alguém está prestando uma homenagem a Mestre Bimba. Cantando a música, falando dele como eu estou falando aqui neste momento, e isso é de uma grandeza enorme. Mestre Bimba é uma das figuras do ciclo heróico dos negros brasileiros que merecem ser reverenciados”, afirma.
Legado no mundo
Yara Cordeiro é capoeirista há 39 anos e faz parte da Abada-capoeira na região de Washington DC, nos Estados Unidos. Ela é aluna de Mestre Camisa, formado por Mestre Bimba.
"A presença de Mestre Bimba vai sempre existir na capoeira, a sobrevivência da capoeira passou pela inovação que ele criou. Esse fundamento tá presente em todos os dias quando a gente ensina porque a metodologia que ele criou, a forma de simulação de jogo em sequencias para a prática, é uma coisa que, embora óbvia, não era feita antes e hoje em dia é a forma como todo mundo ensina. Então isso não tem como não estar presente. Os rituais de formatura, de graduação, essas inovações todas, que tem um caráter até acadêmico, que o Mestre Bimba colocou na capoeira está presente até hoje, então isso tá presente", explica.
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Ela conta que todos os anos na Abadá-Capoeira, o Mestre Camisa organiza em novembro o Zumbimba, um momento de estudo de onde a capoeira está hoje e de onde ela veio. Para ela, se Mestre Bimba estivesse vivo, ainda estaria inovando.
"Ele era uma pessoa de uma visão a frente do tempo dele. Os 47 anos da morte dele certamente tem que ser lembrados. A presença dele, a influencia dele na capoeira é tão grande que eu acho que tem que ser lembrado sempre, não só em aniversário, mas ao longo da transmissão do legado da capoeira".
Para respeitar o legado dele além de saber o que ele fez, é importante que a gente entenda que a gente tem que evoluir e crescer, mas sem perde a ligação com a raiz, com o fundamento, que é a forma de manter a essência da capoeira.
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Mestre Bimba extrapolou os muros de Salvador, na Bahia, e ganhou o mundo. Segundo Mestre Xareu há seguidores e alunos em mais de 175 países que mantêm vivos os ensinamentos de Mestre Bimba. Ele explica que o criador da Capoeira Regional inspira muitos profissionais da capoeira a perpetuar a luta e a resistência em todos os cantos do mundo. A Capoeira Regional hoje é reconhecida como Patrimônio Imaterial Brasileiro e Patrimônio Imaterial Mundial com a Roda de Capoeira.
“Então nesse momento de 47 anos da morte de Mestre Bimba, a gente só tem, realmente, a celebrar. A celebrar pela sua grandeza, ou seja, pelo seu legado do qual ele deixou para todos nós e para o mundo. E eu vou extrapolar, não é só de Salvador, é pelo mundo. Se a capoeira está sendo praticada no mundo inteiro, em algum lugar alguém está prestando uma homenagem a ele neste momento, é porque ele tem um reconhecimento do mundo”, finaliza Mestre Xareu.
Edição: Lucas Weber