Curiosidade: escrita com 'll', a palavra é pronunciada paelha, em espanhol. Argentinos falam 'paeja'
O meu amigo Penão adorava uma paella com vinho, e eu sempre o encontrava no Bosque de Viena, um restaurante que, apesar do nome austríaco, era de comida espanhola, na região central de São Paulo. Para quem não sabe, paella é uma comida feita de arroz com açafrão, frutos do mar e em alguns casos com carne de coelho também. Existe em alguns restaurantes de São Paulo e outras cidades, mas há uns tempos é comida cara.
Uma curiosidade: escrita com dois "ll", a palavra é pronunciada paelha, em espanhol. Argentinos pronunciam paeja. Os espanhóis odeiam essa pronúncia. Uma vez, na Espanha, um espanhol veio falar mal de argentinos para mim e falou: “Esses paeja”...
No Bosque de Viena, os preços não eram altos e a gente ia lá no mínimo uma vez por mês. Bons tempos aqueles em que, com um salariozinho mixuruca dava para comer paella sempre que dava vontade.
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O detalhe era que, nessas ocasiões, o Penão se considerava espanhol. Era neto ou bisneto de espanhol, mas gostava de se passar por espanhol legítimo, radical.
Quem ia com ele ao Bosque de Viena sabia que uns cem metros antes de chegar lá ele só falava em castelhano. E lá só falava castelhano também. E também nunca aceitou que alguém chamasse a comida de paeja.
Um dia o Penão resolveu mostrar que não sabia só comer paella, mas fazer também. Chamou uma turma pra jantar no apartamento dele, numa área meio decadente do centro de São Paulo.
Era um prédio enorme, em forma de U, com pequenos apartamentos, com portas para um corredor na parte interna. Em cada apartamento morava um bando de gente, daquele tipo que tem gritaria direto, gente brigando, xingando.
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O apartamento do Penão era quase que simplesmente uma biblioteca. Livros em todas as paredes da sala e do quarto, de alto a baixo. Escondido atrás de uns livros, ele tinha um revólver 32 e uma caixa de balas. Pra quê? Logo ele mostrou.
Quando as discussões e brigas em outros apartamentos começavam a incomodar seu sossego, ele saía no corredor e dava uns tiros para o alto, tendo o cuidado de ver se não havia ninguém lá embaixo, pois a bala que ia pro alto cairia ali, e ameaçava ir lá dar um jeito nos brigões. Os vizinhos se calavam.
Durante o jantar, fez isso duas vezes.
Jeito maluco de acabar com brigas, né? Não recomendo, mas reconheço que funcionava.
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Douglas Matos