Em muito tempo esse quintal era algo que não tinha valor, onde se plantava as minúcias
Uma das lições da agroecologia é ensinar a aproveitar bem cada pedacinho de terra. Isso significa que ter alimentos orgânicos e de qualidade pode estar mais perto do que você pensa, inclusive no quintal de sua casa. A área que também é conhecida “terreiro” ou “ao redor” da morada nem sempre é valorizada com o potencial cultural e produtivo que tem. Mas, pensando em contextos como agricultura urbana ou convivência com o semiárido, por exemplo, cada vez mais se percebe a importância dos conhecidos quintais produtivos.
Apesar de vez por outra passarem despercebidos pelas políticas públicas, casas com terrenos que produzem alimento podem garantir geração de renda, autonomia e fortalecimento da agrobiodiversidade.
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A agricultora Sara Maria mora na área rural do município paraibano de Cubati. Ela afirma que o quintal produtivo dela é um espaço de terapia e de experimentação agroecológica. O trabalho produtivo é feito ouvindo o cantar dos pássaros ou vendo as cores de camaleões entre as árvores. Ao mesmo tempo, Sara explica que é no quintal produtivo que ela cria estratégias para conviver com os períodos de estiagem.
“Quando tem anos abundantes de chuvas, podemos plantar no roçado e ter lucro. Mas quando vem a estiagem é dentro do nosso quintal produtivo que conseguimos produzir e o excedente chega até a vender e trazer renda para dentro de casa”, afirma.
Saindo do Semiárido, podemos ver os quintais produtivos também na perspectiva do direito à cidade. No bairro de Passarinho, na zona Norte do Recife (PE), por exemplo, cerca de 30 mulheres participam de um projeto que realiza troca de saberes sobre quintais produtivos. O “Mulheres Urbanas: segurança alimentar e consumo consciente” é uma realização da organização Casa da Mulher do Nordeste, excetuando oficinas e intercâmbios para um consumo consciente e agroecológico na tradicional luta pelo à cidade no bairro de Passarinho.
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Uma das mulheres que moram lá e cultivam um quintal produtivo é Vilma de Souza. Ela considera o espaço do terreiro dela reduzido, ao mesmo tempo que contar ter uma produção de 10 espécies de frutíferas, além de hortaliças e verduras. Vilma é do Recife, mas filha de agricultora de área rural. Ela conta que sempre produziu um quintal produtivo na área urbana do Recife, mas que o projeto ampliou os conhecimentos para buscar um consumo consciente.
“Através desse conhecimento eu sei lidar melhor com a terra, eu aprendi também a plantar muitas coisas, com fazer a poda, plantar, porque hoje em dia a maioria dos alimentos que compramos são industrializados, contém agrotóxicos. Então, você ter o privilégio e o prazer de ter algumas coisas em casa e colher do seu próprio quintal e também ajudar os seus vizinhos”, explica.
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Tanto no campo quanto na cidade, culturalmente, há uma presença das mulheres no quintais produtivos. Graciete Santos, que faz parte da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA Brasil), afirma que é preciso reconhecer essa ligação feminina com os quintais na hora da conquista de políticas públicas.
“Nós dos movimentos de mulheres e movimentos feministas temos provocado as políticas públicas, as organizações e os movimentos para dar luz a esse espaço como lugar de práticas agroecológicas, que garante a segurança alimentar das famílias, que é produtivo. Em muito tempo esse quintal era algo que não tinha valor, onde se plantava as minúcias, as coisas pequenas e a própria assistência técnica não reconhecia esse lugar”, destaca.
Pelo Brasil existem diversas experiências quintais produtivos no campo e na cidade. Há exemplos que contam com gestão coletiva e não estão ligados exclusivamente a uma residência. Uma escola, por exemplo, pode gerir um quintal produtivo. No Semiárido, uma das propostas do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da Asa Brasil, é ampliar a quantidade de quintais produtivos na região.
Edição: Lucas Weber