Na última terça-feira (7), data referencial que demarca os 300 anos de nascimento e 267 anos de martírio de Sepé Tiarajú, foram realizadas em São Gabriel (RS) atividades de mobilização da comissão pró-beatificação e canonização do líder indígena guarani, que conviveu com os jesuítas na redução de São Miguel Arcanjo e sacrificou sua vida em martírio defendendo seu povo, seu território e sua fé. Os trabalhos foram conduzidos pelo padre Alex Kloppenburg, de Santana do Livramento, e pelo bispo Dom Frei Cleonir Dalbosco, responsável pela diocese de Bagé.
O local escolhido para a atividade é simbólico, pois é no atual território do município de São Gabriel que fica localizada a Sanga da Bica, local onde Sepé foi golpeado pela lança de um soldado espanhol e alvejado pelo tiro de um oficial português. Ali ele empreendia tentativa de evitar o despejo dos indígenas guaranis e dos padres que os acompanhavam nas Reduções Jesuíticas, entregues em negócio pela coroa espanhola à coroa portuguesa através do famigerado tratado de Madrid, estopim das guerras Guaraníticas. Era o ano de 1756 e, a partir daquele momento, o personagem histórico passa a ser venerado como santo popular, bem como adotado como padroeiro das causas indígenas e de movimentos sociais que lutam pelo acesso à terra.
A primeira atividade teve participação restrita aos envolvidos na comissão, onde foi exposto por Padre Alex e Dom Frei Cleonir um balanço dos trabalhos realizados até o momento e alinhadas expectativas para os próximos passos. Foi ressaltado que no período de pandemia se fez necessário um recolhimento e a desaceleração das ações, mas que a partir de agora os trabalhos serão retomados com fluxo reforçado. A segunda atividade foi pública, junto ao monumento instalado no espaço da Sanga da Bica, onde há uma cruz missioneira elevada sob troncos e uma pequena imagem do indígena Sepé. Após a celebração alguns dos participantes saíram percorrer uma trilha ao longo da sanga.
“A voz do povo é a voz de Deus”
Relembrando esse célebre dito popular, padre Alex iniciou a sua manifestação em defesa da beatificação e canonização. “Se o povo já canonizou, por que nós também não fazemos eco a esta voz?” Para o religioso, é firme a certeza de que os principais elementos concretos que são exigidos pelo Vaticano para que o processo tenha andamento estão contemplados e os elementos simbólicos não deixam margem a outras interpretações que não pelo reconhecimento. “É verdade que não temos o corpo de Sepé Tiarajú, mas temos aqui, neste chão, o seu sangue derramado”, afirmou.
Padre Alex traz ainda a reflexão para o campo da história até o nosso tempo: “Precisamos relembrar o sangue dos povos originários que foi derramado ao longo da história e que ainda segue sendo derramado nos dias de hoje e como a canonização de Sepé serve também para levar aos altares esse sangue e essa causa”.
O fato de passarem-se 267 anos do martírio e a lembrança seguir presente na memória, no imaginário e na fé do povo é um argumento decisivo para justificar o processo. “Trabalhar pela causa da canonização de Sepé não diz respeito apenas a se ter mais um santo no calendário da Igreja, mas sobretudo ter presente a sua causa, a causa da luta pela justiça, pela vida, pela terra, pelos direitos dos povos originários”, concluiu.
Continuidade do processo
Dom Frei Cleonir relembrou o início do processo, quando seu antecessor, Dom Gílio, levou até o Vaticano as razões e as assinaturas de mais de uma centena de autoridades políticas e religiosas, bem como de intelectuais de diversas áreas, e recebeu o “Nihil Obstat” (nada obsta) da Igreja, ou seja, via livre e sem objeções para começar o processo de reconhecimento oficial da santidade do indígena guarani. E junto veio o esclarecimento: ele já poderia desde lá, ser aqui invocado como “Servo de Deus”, primeiro passo no processo que leva à “beatificação” e depois à “canonização”.
“É importante nesse momento, nesse 7 de fevereiro, retomarmos nossas atividades recordando os 300 anos do nascimento e os 267 anos do seu martírio”, comentou Dom Cleonir, saudando o envolvimento da comunidade local, de entidades e lideranças. “Vamos fazer todo o trabalho na diocese para juntar a documentação necessária para depois enviar para a equipe da Causa dos Santos, no Vaticano, continuando essa missão e confiando nas graças e bençãos de Deus nesse processo, para que um dia tenhamos Sepé como nosso intercessor, como mártir de nossa igreja”, afirmou.
Quem foi Sepé Tiaraju
Herói guarani missioneiro rio-grandense e herói nacional, devidamente reconhecido por Lei, Joseph Tyarayu foi um cristão da terceira geração, indígena, guarani, nascido em São Luiz Gonzaga, entre os anos de 1722 e 1723. Ainda criança fica órfão e é levado para a Redução de São Miguel Arcanjo, onde é educado pelos padres jesuítas, aprendendo a ler e escrever fluentemente o espanhol e o guarani, tendo noções também do latim.
Destacada liderança comunitária, teve importante papel na organização dos povos das missões, especialmente de São Miguel, que era uma referência. Ali foi eleito alferes e corregedor (uma espécie de prefeito e juiz). É historicamente conhecido por ter resistido aos ataques militares espanhóis e portugueses do período colonial. A região em que estavam localizadas as comunidades indígenas Guaranis pertencentes aos Sete Povos das Missões, que ocupavam área que abrangia parte do Paraguai, sul do Brasil e norte da Argentina. Foi morto no dia 7 de fevereiro de 1756, onde hoje está a cidade de São Gabriel, na Sanga da Bica.
Oração ao Servo de Deus Sepé Tiaraju
(Aprovada em 16/08/2019 por Dom Frei Cleonir Paulo Dalbosco – Bispo Diocesano de Bagé, RS)
Senhor, Santo e fonte de santidade, vós nos chamais à santidade pelo caminho do amor e da entrega generosa de nossas vidas aos irmãos.
Concedei ao vosso servo Sepé Tiaraju, cristão e filho vosso, que entregou sua vida até a morte dolorosa em defesa de seu povo e da justiça, a glória do reconhecimento de sua santidade exemplar para todo o povo cristão.
Amém.
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Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira