Parlamentares da base governista mais alinhados à esquerda lançaram, nesta terça-feira (14), na Câmara dos Deputados, a campanha "Juros baixos já" – ou "#JurosBaixosJa", em referência à hashtag a ser utilizada nas redes sociais –, que pressiona o Banco Central (BC) por uma política monetária mais favorável aos trabalhadores e ao desenvolvimento econômico. O lançamento marca também a largada do grupo em busca das 171 assinaturas necessárias à criação da Frente Parlamentar contra os Juros Abusivos.
A articulação dos parlamentares surge após o presidente Lula (PT) subir o tom contra o presidente do BC, Roberto Campos Neto, por conta da taxa Selic, que está em 13,75%. O índice é, na prática, a taxa básica de juros da economia brasileira, sendo utilizado pela autarquia como principal ferramenta de controle da inflação.
Com o debate midiático que se criou em torno do tema nas últimas semanas, deputados aliados ao Planalto esperam fortalecer o coro contra a atual política de Campos Neto, tentando furar o bloqueio político feito por parlamentares contrários à ideia de revisão da autonomia do Banco Central. Aprovado durante o governo Bolsonaro, esse modelo de gestão da autarquia tem forte caráter neoliberal e por isso contou, na época, com apoio da maior parte do Congresso. Os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por exemplo, mostram-se resistentes à mudança da medida.
O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), responsável por articular, na Câmara, o movimento contra as taxas atuais, afirma que a iniciativa se trata de "disputar a sociedade".
"Nós vamos lutar para mostrar que essa taxa de juros é indecente e que o Brasil não tem como retomar o crescimento econômico com ela. E é claro que é uma campanha que a gente vai fazer também em cima de temas populares. Não dá pra aceitar o cartão de crédito com mais de 400% de juros por ano, cheque especial com mais de 130% de juros por ano", exemplifica, mencionando consequências do problema.
A campanha traz alguns produtos que buscam fazer com que o discurso do movimento ganhe capilaridade social, entre eles o lançamento de um manifesto virtual que vai colher assinaturas para tentar dar força e volume ao protesto. A ideia de criação da Frente Parlamentar contra os Juros Abusivos se insere no mesmo contexto, como outro produto da campanha. De acordo com Lindbergh Farias, o grupo tem pouco mais de 50 assinaturas, mas espera fechar esta terça-feira com cerca de 100 signatários. "A nossa ideia é atingir a meta até depois do carnaval", diz o deputado.
Assim como as demais frentes que atuam no Congresso, o grupo deverá ter papel simbólico no sentido de puxar os debates a respeito do assunto, tentando dar maior visibilidade à pauta. A presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), chama a atenção para a projeção de recessão para o país. O alerta foi feito nos últimos dias, por exemplo, pelo economista e ex-diretor do Banco Central André Lara Resende, que tem criticado a taxa de juros aplicada pela autarquia.
"A maioria dos países tem inflação mais alta que o Brasil e a maioria tem juros negativos. Por que os juros do Brasil têm que ser de 13,75%? Esses juros impedem o investimento econômico, o investimento privado e, por consequência, o crédito fica comprometido e isso afeta diretamente a população na geração de emprego e renda. Nós precisamos sair desse ciclo vicioso", defendeu Gleisi.
A campanha deve atuar em diferentes frontes. Nesta terça, foi realizado um ato popular em frente à sede central do BC, em Brasília, para protestar contra os juros altos. Outras ações estão sendo articuladas paralelamente. O diretório nacional do PT, por exemplo, aprovou, na segunda (13), uma resolução propondo que Roberto Campos Neto seja convocado para prestar explicações ao plenário da Câmara. A medida é defendida não só por parlamentares da bancada petista, mas também integrantes de siglas do campo da esquerda que apoiam o governo, como PSOL, PSB, PDT e PCdoB.
"As urnas disseram qual projeto queriam pro Brasil e a lei que deu autonomia ao BC também definiu regras. Ali está claro que o Banco Central e a política monetária têm que gerar emprego e crescimento. Esses juros distorcidos são completamente desconectados da realidade do mundo", critica Jandira Feghali (PCdoB-RJ), ao qualificar a conduta de Campos Neto como "boicote ao atual governo".
Lucros
O deputado André Janones (Avante-MG) disse que o sistema financeiro, principal beneficiado com a elevação das taxas de juros, comporta-se como um "câncer" diante da população brasileira.
"A gente vive uma situação muito diferente no nosso país, que é [a seguinte]: quando as coisas vão bem, todo mundo ganha; quando as coisas vão mal, só o banco ganha. A gente não está pedindo pra ninguém abdicar dos seus ganhos bilionários, mas só pra se ter um pouco mais de consciência pra que a gente possa atingir a tão sonhada justiça social."
Apoiadora da campanha, a fundadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, destaca que a atual cartilha do BC prejudica a democratização dos investimentos no país. "Quando temos juros altos demais, o dinheiro fica muito caro, inacessível. Se fossem baixos, todos que estão nos ouvindo poderiam ter acesso a juros baixos, e grandes investimentos poderiam ser feitos. Até a pessoa que começa um pequeno negócio, quando ela tem capital e o juro é baixo, o lucro dela, ainda que pequeno, cobre o custo do empréstimo e ela pode, por exemplo, contratar outras pessoas pra ajudá-la", explica.
Para Fattorelli, o momento atual é propício para a revisão da política aplicada pelo BC. "Esse movimento é fundamental porque, pela primeira vez, nós temos um presidente que tem a coragem de enfrentar um dos problemas mais graves do Brasil. Se os juros altos travam a economia brasileira, é preciso mudar isso."
Edição: Rodrigo Durão Coelho