O Ilê Asè Airá Tolami localizado no município de Dias D'Ávila (BA), região metropolitana de Salvador, foi novamente invadido durante o último sábado (11). Foram depredadas todas as casas dos orixás, objetos litúrgicos e furtados objetos de pequeno valor. Apesar de já ter sido alvo de outros ataques como este, a Polícia Civil registrou o caso como furto e dano a coisa de valor artístico, histórico e cultural, e não como um caso de intolerância religiosa.
“Há um entrave institucionalizado em conceber que uma invasão a um terreiro de candomblé, com depredação das casas e espaços sagrados, é racismo”, afirma Camila Garcez, advogada que está acompanhando o caso. Ela também é candomblecista, mestre em Direito Público pela UFBA e membra da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da OAB-BA.
“A gente precisa gritar para ser ouvido, isso é muito cansativo. A líder religiosa Makota Valdina falava que nós não precisamos ser tolerados, precisamos ser respeitados no nosso direito de professar a fé”, desabafa.
Em nota, o Ilê Asè Airá Tolami afirma que as cenas de destruição estavam por todas as partes e que o perfil da invasão demonstra que o objetivo do ato foi inviabilizar as práticas religiosas. Além de realizar o registro junto à Polícia Civil, os integrantes do terreiro também procuraram o Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, da Secretaria de Promoção de Igualdade Racial do Estado (Sepromi).
Histórico de violência
Este não é o primeiro ataque violento sofrido pelo terreiro, localizado no bairro Santa Helena, em Dias D’Ávila. Camila Garcez conta que, só em 2018, foram cerca de 10 arrombamentos.
“Nos últimos [arrombamentos], eles não levavam mais nada, só quebravam as coisas, inclusive os telhados”, conta. A advogada explica que, mesmo diante da violência reiterada e da maneira como os ataques se configuraram, a Promotoria de Dias D’Ávila não configurou o caso como intolerância religiosa.
Na nota divulgada pelo Ilê Asè Airá Tolami, os filhos e filhas do terreiro destacam que as denúncias de crimes de intolerância religiosa cresceram vertiginosamente nos últimos anos. E aponta que, só em 2022, foram realizadas 1.200 denúncias deste tipo de crime no Disque 100. A advogada Camila Garcez lembra, no entanto, que existe uma subnotificação dos casos reais de racismo religioso, uma vez que as polícias nem sempre registram os ataques sob essa tipificação, como acontece nos ataques reiterados ao Ilê Asè Airá Tolami.
Além dessa violência direta contra o patrimônio e os objetos litúrgicos da casa, o terreiro registra ainda outras formas de violência institucional mais veladas. Camila Garcez conta que, a despeito de inúmeras solicitações dos religiosos e religiosas que frequentam a casa, a rua onde ela se localiza nunca foi asfaltada. Até mesmo para conseguir ligações de água e energia, foi preciso ingressar com ações judiciais contra as concessionárias públicas. “Mas água não chega, compramos carro pipa toda semana. Até hoje estamos na Justiça”, conta a advogada.
Proteção
Na nota, os filhos e filhas do Ilê Asè Airá Tolami exigem celeridade na investigação do caso e proteção para o líder religioso do terreiro, Babalorixá João Marcelo Nobre Odé Tolá, e também para todos e todas que frequentam o local. “Estamos todas e todos muito apreensivos do que poderá acontecer nos próximos dias, uma vez que os sucessivos casos de violência contra nossa comunidade nos colocam em constante alerta”, afirmam em nota.
A casa iniciou uma campanha de arrecadação para reconstrução do patrimônio depredado e para instalação de câmeras de segurança no local, a fim de tentar evitar novos arrombamentos. “É a visão mais atual de quilombo, sabe? Porque se não tivéssemos aprendido aquilombamento com os nossos ancestrais, seria mais difícil ainda”, resume Camila.
Fonte: BdF Bahia
Edição: Alfredo Portugal