Agente precisa entender que o frevo é algo muito maior, celebrado o ano todo
O frevo faz parte do DNA do pernambucano e, apesar de hoje ocupar os palcos, nasceu no meio do povo na cidade de Recife (PE). O que começou no século XIX com os capoeiristas e se tornou uma das principais manifestações culturais do estado, hoje é reconhecido como patrimônio cultural imaterial da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O reconhecimento da ONU ocorreu há vinte anos, em dezembro de 2012.
Uma das iniciativas de preservação é o Museu Paço do Frevo, no Bairro do Recife, que é um centro de referência em Salvaguarda do Frevo, dedicado à difusão, pesquisa, lazer e formação nas áreas da dança e música, no sentido de perpetuar a presença da manifestação o ano inteiro.
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"Não há nenhum problema que o frevo seja reconhecido como uma música carnavalesca, porque o carnaval é tudo o que a gente é, toda a nossa essência e a gente tem uma relação, de fato, muito profunda no carnaval. só que a gente precisa entender que é algo muito maior, é uma música, uma dança, uma manifestação que tem e que deve ser celebrada o ano todo", destaca a produtora cultural Mery Lemos.
Para fazer com que o frevo se perpetue no tempo, diversas iniciativas têm criado novas forma de unir o tradicional e o contemporâneo, mas a cultura exige preservação e a garantia de que o poder público e os fazedores de cultura encontrem novas maneiras de salvaguardar a manifestação
O projeto 'Mexe com Tudo' é um exemplo disso. Com o nome inspirado no frevo do compositor Levino Ferreira, a iniciativa tem o objetivo de desmistificar a construção do frevo como espetáculo e trazer a forma que o frevo é vivido e sentido durante o Carnaval para o ano inteiro, através de aulas presenciais e virtuais e das suas redes sociais.
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"Essa ideia da espetacularização da dança, não acontece somente no frevo. É a ideia de que corpos diferentes são possíveis para a dança e que a finalidade da dança não tem a ver somente com o espetáculo. Então, uma pessoa que dança não precisa necessariamente estar em um palco, porque, inicialmente, a ideia de dança, inclusive, tinha a ver com celebração, era uma outra ideia", explica o passista Otávio Freitas.
Criador do 'Mexe com Tudo' lembra que, na origem, as pessoas cantavam, dançavam para poder celebrar uma colheita que tinha sido incrível. “Então, o corpo era a festa, era o veículo para a festa. E, com o tempo, a gente foi se desprendendo dessa ideia de corpo-festa e associando a essa ideia de corpo-espetáculo. Com isso, a gente dissocia qualquer pessoa de dançar para ter um corpo muito específico com um treinamento sólido durante anos”, acrescenta.
Para Freitas, o frevo não é apenas um espetáculo, mas principalmente uma vivência. "Com a ideia de que o dançar não precisa ser necessariamente para o olho do outro, que a gente tem no mexe com tudo. A ideia da gente é que, ao invés de você buscar prazer no olho do outro assistindo, nos aplausos e tal, o sentido é buscar prazer no próprio corpo em movimento".
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O frevo é, e sempre será, um ritmo carnavalesco nos palcos e nas ruas, mas vem ganhando cada vez mais dias no ano fora do ciclo carnavalesco e de prévias como uma manifestação cultural permanente do estado; isso porque, para se perpetuar no tempo, ele vem unindo cada vez mais a tradição ao contemporâneo.
"Eu acho que o paço do frevo é um passo muito importante na conversa entre os grandes mestres, entre a tradição do frevo; que é algo que a gente preza muito. Mas a gente também costuma provocar esse novo, os novos artistas, a gente difunde, a gente faz com que o frevo chegue nas pessoas de várias formas, com total respeito aos que vieram antes e com o desejo da propagação para os que estão aqui e agora. Então, o contemporâneo está sempre presente, as produções contemporâneas estão muito presentes na nossa programação também; e essas trocas são muito muito valiosas para quem constrói aqui", avalia.
Mas não se deixe enganar: o frevo dos passistas, com sombrinhas e adereços, não é o único tipo de frevo a ser preservado; é a alegria que ecoa nas ladeiras de Olinda e o bairrismo pulsante do amor do pernambucano pela cultura do estado que se quer preservar. É nisso que acredita o passista Otávio Freitas.
"A ideia de preservação passou muito por uma ideia de frevo, que é aquela, por exemplo, com alguém com uma sombrinha de frevo e uma roupa super colorida, uma forma muito específica de dançar, que é super acrobática. Mas, o corpo de quem faz frevo é muito diverso. Então, necessariamente, a gente não associa o frevo ou quem dança frevo, àquela roupa específica ou àquela sombrinha. Qualquer pessoa que está atrás de uma orquestra de frevo, como eu já falei, feliz da vida, solta na buraqueira, está dançando frevo".
Edição: Douglas Matos