Ainda bem que carregava as coisas num carrinho de pedreiro: tijolos, areia, cimento, tudo
Hoje vou contar uma coisa acontecida no interior goiano. Quando a Delziva casou-se com o Jeconias, um viúvo rico. O Desidério ficou satisfeito pela irmã e, no fundo, por ele mesmo. Afinal, seu salário de servente de pedreiro era baixo. E ele achava que o Jeconias, agora seu cunhado, lhe daria alguns presentes de vez em quando. Uns quilos de café, um pouco de feijão, uma leitoa, uma galinha, qualquer coisa servia, ajudava. Pro ricaço do Jeconias, essas coisas não fariam falta nenhuma.
Mas a esperança durou pouco. O Jeconias era pão-duro demais. Nem as frutas que apodreciam no quintal, e que ele defendia da molecada com espingarda carregada de sal, dava ao infeliz do Desidério, que continuou com a mesma vidinha simples. Trabalhando com dificuldade porque, quando era criança, antes de ter vacina para a poliomielite, pegou a doença e ficou com uma perna atrofiada.
Uma perna era forte, com pé grande. E a outra fraca, com pé pequeno. Tinha algumas dificuldades por isso. E carregar pesos, por exemplo, era muito difícil pra ele. Não suportava muito peso e se cansava rapidamente. Ainda bem que carregava as coisas num carrinho de pedreiro: tijolos, areia, cimento, tudo.
Um dia, depois que amanheceu, o Jeconias desceu para o quintal com a preocupação de sempre: ver se alguma coisa tinha sido roubada. Ficou indignado. Dava pra ver que muitas frutas foram roubadas. E algumas galinhas também. A cerca do galinheiro e a que dava saída pra rua, no fundo do quintal, tinham sido destruídas.
Mas não se limitaram a roubar frutas e derrubar cercas: pisaram nas verduras e nos legumes. Um baita estrago. Começou a resmungar com ódio, andando pra lá e pra cá, olhando o chão.
A Delziva viu o marido daquele jeito e foi tentar conversar com ele:
— Nossa, Jeconias, quem será que fez uma coisa dessas?
Ele resmungou qualquer coisa. Ela insistiu:
— Hein, Jeconias, quem será o desgraçado?
Ele, finalmente, levantou a cabeça, com um olhar irado que fez a Delziva tremer, mostrou as pegadas e fuzilou:
— Olha aqui os rastros. Tudo foi levado num carrinho de mão, veja que rastro fundo. Sinal que o carrinho estava carregado, pesado. E atrás do carrinho, um pé grande, um pé pequeno; um pé grande, um pé pequeno... O desgraçado é o seu irmão, Delziva!
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Gomes