Uma comitiva de ministros do governo federal esteve no Rio Grande do Sul, nesta quinta-feira (23), para conhecer a situação da estiagem no estado. Durante a visita, que aconteceu no Assentamento Meia Água, município de Hulha Negra, foi anunciado um pacote de medidas emergenciais para atender os agricultores das regiões mais atingidas pela falta de água, totalizando R$ 430 milhões.
A delegação foi composta pelos ministros do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira; do Desenvolvimento Social, Wellington Dias; da Secretaria de Comunicação da Presidência, Paulo Pimenta; e o próximo presidente da Conab, Edegar Pretto. Por volta do meio dia, o grupo visitou a propriedade de uma família de assentados. Lá, foi apresentado um diagnóstico da grave situação da região, que vai desde pastagens secas e quebras de produção à falta de água para consumo humano e dívidas com bancos.
A região de Hulha Negra, fronteira com o Uruguai, é uma das partes mais atingidas pela falta de água no estado. Mais de 300 municípios gaúchos já decretaram estado de emergência.
Recurso vem de diversos ministérios
De tarde, com a presença do governador Eduardo Leite (PSDB), parlamentares, representantes de outros ministérios e lideranças políticas e de movimentos do campo, foi realizada uma coletiva de imprensa na sede da Comunidade Nossa Senhora de Fátima. O ato reuniu cerca de 600 pessoas, quando as medidas de auxílio foram anunciadas.
Dos R$ 430 milhões, R$ 300 milhões são do MDA. Será criada uma segunda parcela do crédito instalação, no valor de R$ 5,2 mil, para atender 10 mil famílias assentadas, com rebate entre 90 a 95%. Também se constituirá o Microcrédito Produtivo Rural, para atingir até 40 mil agricultores familiares mais vulneráveis, que receberão R$ 6 mil.
Já do MDS serão destinados R$ 24 milhões para atender cerca de 10 mil famílias da região que têm baixa renda e que estão cadastradas no Programa Fomento Rural. Será um total de até R$ 2,4 mil cada, dividido em duas parcelas, para estímulo e manutenção da produção da agricultura familiar. Ainda, numa parceria com a Conab, serão distribuídos alimentos para as famílias mais vulneráveis, totalizando mais de R$ 5 milhões em investimentos.
Por meio do MDR, serão destinados R$ 100 milhões para municípios em situação de emergência, para aquisição de cestas básicas, contratação e manutenção de carros-pipa para abastecimento de água.
Estiagem vira fome para agricultores
A região foi escolhida para o anúncio por ser uma das mais prejudicadas pela falta de água no estado, devido à estiagem combinada com o avanço da mineração. O resultado, em épocas como essa, é a redução drástica dos reservatórios de água para o consumo humano e dos animais, além da baixa ou até mesmo inexistente produtividade de alimentos. Isso acaba impactando na renda das famílias e na economia local.
Roselaine Sausen é agricultora no assentamento que recebeu a visita da comitiva. Segundo ela, os ministros puderam presenciar a dificuldade dos pequenos agricultores convivendo com a seca, pelo terceiro ano consecutivo. Produtora de leite, ela relata o sofrimento humano e animal. "Esse ano a estiagem já é maior do que nos anteriores. A produção de leite diminuiu 80%, por mais que a gente plante pasto, não vem nada", afirma.
A agricultora relata que pouca água disponível vem de um açude na propriedade, mas que só dá conta de abastecer o consumo dos moradores da residência e dos animais, sendo inviável sua utilização para irrigar o pasto ou qualquer plantação. "Não dá pra produzir nada, por causa da falta da chuva, até a grama está morrendo. Não dá pra ter milho, um pouco de pasto ou até mesmo uma horta. A gente sofre junto com os bichos, queremos comprar alguma coisa pra eles comer, mas não temos de onde tirar", revela.
Roselaine relata que a renda da propriedade vem toda da produção de leite. Com a estiagem e a queda na produção, a família precisa cortar gastos e comprar somente o básico para sobreviver. "Temos duas crianças em casa, eles sofrem mais ainda. Nem um doce que a gente comprava antes pra eles pode comprar mais, agora é só o essencial."
Falta de auxílio de governos anteriores
João Sirinei também é produtor de leite e de gado de corte e afirma que a realidade é péssima. Segundo ele, a região sofre com a variação climática, já tendo presenciado estiagens severas, mas também períodos de excesso de chuva. "Pelas nossas dificuldades, a região merece uma atenção especial", avalia.
Ele estima que as perdas na produção de leite gira em torno de 80% este ano. "Não tem 'verde', no meu lote eu plantei pastagem, mas não deu quase nada. Eu virei a terra pra plantar e não nasceu pasto", conta.
Relata ainda que, para garantir a sobrevivência dos animais, precisou recorrer à cooperativa dos assentados locais, a Coptil, para poder comprar silagem. Na sua visão, esse auxílio deveria vir das instâncias governamentais. "Nos anos passados, praticamente não teve ajuda municipal, estadual, nem federal. Ano passado o governo estadual deu pros assentados mil reais. Pra manter meus bichos, todo mês, eu preciso de 20 a 30 sacos de milho."
Necessidade de ações emergenciais e estruturais
Para o dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA/RS), Adilson Schuch, a sequência de temporadas de estiagem no estado castigam principalmente os pequenos agricultores, os assentamentos e áreas quilombolas.
"Valorizamos muito essa ação de hoje, pelo fato do governo encaminhar a vinda dos ministros para conhecer a realidade. No aspecto da pauta ambiental, o governo precisa dar uma resposta com medidas estruturais para reverter a situação no médio e longo prazo, mas também há uma necessidade das famílias que é imediata", afirmou em depoimento ao Brasil de Fato RS.
De acordo com Edegar Pretto, este momento de anúncios foi construído com muito diálogo, desde o primeiro momento em que o governo Lula foi procurado pelos movimentos sociais e entidades do campo. “São recursos para atender as emergências, especialmente daqueles que mais precisam", comenta. "Com esses 430 milhões, nós vamos garantir o básico, como crédito e comida para os seres humanos e animais. Mas logo começaremos também a tratar com o governo do estado a renegociação das dívidas, para amenizar o sofrimento das famílias”, reforça.
* Com informações de Marcos Corbari e Catiana de Medeiros, direto de Hulha Negra.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira