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Especialistas: voto do Brasil na ONU sobre guerra na Ucrânia é "incoerente" e "preocupante"

País se alinhou aos interesses dos Estados Unidos e da Otan, na contramão dos demais representantes dos Brics

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Votação na sede das Nações Unidas em Nova York aconteceu na última quinta-feira (23) - Timothy A. Clary/AFP

O alinhamento do Brasil aos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar do Ocidente) em votação realizada na última quinta-feira pela Organização das Nações Unidas (ONU) em relação à guerra na Ucrânia foi considerado "incoerente" e "preocupante" por especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato. O país votou favoravelmente à resolução que demanda a retirada das tropas russas do território ucraniano, abandonando a posição de neutralidade.

O posicionamento brasileiro foi na contramão dos demais integrantes do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Enquanto os russos, naturalmente, se opuseram à resolução; indianos, chineses e sul-africanos mantiveram a neutralidade e se abstiveram de votar. Ao final da votação, o placar foi de 141 países a favor da resolução (entre eles, os integrantes da Otan); sete contrários e 33 abstenções.

"Se fosse para manter a posição que o Brasil vinha construindo, da construção do diálogo pela paz, o que faria mais sentido era se abster, não ter votado a favor dessa resolução. O que chama bastante atenção é como o Brasil destoa dos países dos Brics. Índia, China e África do Sul se abstiveram, com argumento de que essa resolução mais faz aumentar o conflito do que efetivamente constrói a paz", destaca o internacionalista Giovani del Prete, militante do Movimento Brasil Popular e mestrando em Economia Política Mundial pela Universidade Federal do ABC (UFABC).

A falta de alinhamento com o Brics foi vista com estranhamento também pelo escritor e professor Elias Jabbour, do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). "Ela é incoerente, porque o Brasil é parte do bloco dos emergentes, e na minha opinião desqualifica o Brasil como solucionador do processo", avalia.

Para Jabbour, a política externa brasileira tem de estar alinhada com os interesses do país, e, neste momento, o principal interesse estratégico do país deve ser a reconstrução - que, para ele, passa pela reindustrialização do país.

"Ao votar contra a Rússia no ONU, o Brasil assina embaixo em nome dos interesses nacionais dos Estados Unidos. E o que os americanos têm a nos oferecer em troca, ou o chamado 'Ocidente'? Eu acho que nada. Não é uma questão moral de condenar ou não uma invasão, isso é outra história. A questão é saber o seguinte: se isso serve aos interesses nacionais brasileiros", afirma.

Giovani del Prete destaca que entre as 140 nações que votaram com o Brasil estão os chamados "países do Norte", capitaneados pelos Estados Unidos e pelas potências europeias, como a Alemanha, que têm interesses diretos no conflito. 

"Esse documento, essa resolução, parece que fica descontextualizada, ignorando completamente que as raízes desse conflito na Ucrânia estão, sim, na expansão da Otan, que representa a expansão dos Estados Unidos militarmente na fronteira com a Rússia.

"À medida em que você avança com a Otan, avança com máquinas, equipamentos, doutrina, uso da força militar, tecnologia dos Estados Unidos e seus aliados nas fronteiras da Rússia. É bastante preocupante nesse sentido o Brasil apoiar uma resolução que descaracteriza esse processo", pondera.

Alinhamento não é total

Para os especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, o encontro recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com seu colega estadounidense, Joe Biden, pode ter tido influência na mudança de posição do país perante as Nações Unidas em relação ao conflito no leste europeu. Del Prete lembra que, após o encontro, os dois presidentes publicaram nota conjunta em que criticaram as ações militares russas na Ucrânia.

"Seguramente esse tema [o confronto entre russos e ucranianos] foi tratado nessa reunião, como tantos outros. É um tema dos mais relevante para a conjuntura internacional, com impacto no mundo inteiro, sobretudo no preço dos alimentos, da energia, então seguramente isso foi pauta na conversa entre os dois. Até então o Brasil não tinha se posicionado dessa maneira. É uma novidade votar em favor dessa resolução", destaca.

A posição brasileira na votação, porém, não representa um alinhamento absoluto aos interesses dos Estados Unidos. Elias Jabbour aponta que, apesar das manifestações diferentes da posição de neutralidade, o Brasil não aderiu ao confronto.

"O Lula sinaliza naquela viagem uma série de pontos que acho interessantes, mas sinaliza também uma condenação da invasão Rússia à Ucrânia. Nesse aspecto [a votação na ONU] é um reflexo da visita. Ao mesmo tempo o Brasil se negou a enviar armas à Ucrânia, a participar da guerra ativamente, como os americanos queriam. Isso é um ponto positivo", encerra.

Edição: Rodrigo Durão Coelho