Hoje a aula é com a mão, literalmente, na massa. Empurra daqui, estica de lá. Na bancada, mulheres com histórias de vida diferentes, mas em comum a ideia de mudar suas realidades por meio da gastronomia.
E foi neste espaço, do projeto cozinha periférica, que elas puderam vislumbrar esta possibilidade. Maria Cristina da Costa, moradora da zona leste de São Paulo, é uma das alunas desta turma.
“Cada sábado é algo diferente, uma professora diferente, um conhecimento diferente, um aprendizado diferente. Está sendo muito bom, muito importante pra nós”, explica.
No comando desta prática está a professora de gastronomia, confeitaria e panificação, Mônica Dias. Atenta ao desenvolvimento das alunas e de seus potenciais, ela enxerga não só mais uma aula, mas a perspectiva de mudança que perpassa de suas mãos para as mãos destas mulheres.
“Eu entendo e vejo aqui na gastronomia periférica a importância da gastronomia como força social, força de movimentação e melhoria social”, destaca.
E aqui, elas aprendem de tudo: da fabricação ao empreendedorismo. A professora Mônica explica como funciona a dinâmica em sala e que conhecimentos elas agregam a cada aula.
“Hoje a gente teve uma aula de panificação aqui, todas as alunas estavam bastante interessadas. Foi uma aula que abordou técnica, abordei também outros itens. Como rechear esse pão, como fazer a comercialização, a embalagem correta, ou seja, não é só pra pessoa fazer em casa, é pra pessoa fazer e também ter a possibilidade de vender e gerar aí um aumento de renda pra ela”, explica.
O projeto surgiu em 2012, na zona sul de São Paulo, como uma oficina dos chefs Edson Leite e Adélia Rodrigues. Mas a ideia deu tão certo, e a demanda foi tanta, que seis anos depois a cozinha periférica ganhou corpo, se tornou uma escola e hoje oferece cursos de cozinha e empreendedorismo e cozinha profissional, não só presencial, como à distância também, como explica a co-fundadora do projeto, Adélia Rodrigues.
“Nosso principal público, dentro dos nossos cursos, são mulheres, pretas e periféricas, e, hoje em dia, indígenas. E por que que a gente escolhe mulheres como prioridade? Porque a gente sabe que dentro das periferias, elas estão mais vulneráveis e normalmente elas são as lideranças de família. Então, se essa mulher tiver sua vida transformada, ela também transforma a vida de seus filhos, dos seus irmãos, dos seus pais, esse é o nosso público principal para que a gente de fato cause uma mudança na estrutura social”, relata Adélia.
Ao longo desta caminhada muitos marcos importantes foram alcançados. Hoje o projeto está presente em mais de 20 estados brasileiros, mais de mil alunos foram formados dentro do curso de gastronomia e, só em 2022, a escola formou cerca de 300 cozinheiros e empreendedores.
Já lançou aplicativo para mapear pequenos negócios periféricos e ganhou diversos prêmios. O que demonstra que, com o devido aporte e incentivo, é possível não só mudar realidades, mas mostrar todo o potencial das periferias brasileiras, como ressalta Adélia.
“Acho que muito mais que resistência, a gastronomia periférica é, primeiro, uma consciência do que a gente é enquanto potência periférica. Um acolhimento das nossas dores, dos nossos traumas, das nossas dificuldades, que são construídas por uma sociedade desigual. De um fortalecimento da gente enquanto coletivo e de uma potência pra gente ensinar o mundo a ser diferente. Pra mim isso é gastronomia periférica”, orgulha-se.
A escola da gastronomia periférica é totalmente gratuita e aporta auxílio internet, ajuda de custo para compra de insumos, para que os alunos pratiquem, apostilas, camisetas. Tudo para que essas pessoas sintam-se abraçadas no processo de acessar conhecimento. A aluna Maria Cristina ressalta a importância do projeto para elas.
“É importante, principalmente, para nós mulheres, mães-solo, nós mulheres que não temos um espaço desse. Eu acho que é muito bom pra gente aprender, porque tem vários cursos, várias ideias. O espaço aqui traz muita coisa, não só a gastronomia, não só cozinhar, mas eu vejo que tem biblioteca, tem espaço pras crianças, eu acho muito importante, onde eu moro não tem”, conclui.
Edição: Rodrigo Gomes