A presidenta do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville e Região (Sinsej), Jane Becker, foi ameaçada de morte na manhã desta quinta-feira (2) ao se dirigir para a sede da associação.
A ameaça ocorre dois dias após o sindicato denunciar condições de trabalho análogas à escravidão em uma obra da prefeitura de Joinville, 180 km ao norte de Florianópolis, em Santa Catarina. A denúncia foi publicada no jornal Folha Metropolitana, pelo jornalista Leandro Schmitz, na terça-feira (18). O repórter foi demitido pouco depois da publicação.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Becker relatou que foi abordada por um motoqueiro quando parou em um semáforo. Ele se dirigiu à presidenta do sindicato e perguntou se ela queria morrer. Num primeiro momento, Becker pensou que pudesse ter cometido algum erro no trânsito, mas logo em seguida o homem disse: "se não quer morrer, para de se meter onde não deve". A presidenta, então, teve certeza que o motoqueiro se referia à denúncia de trabalho análogo à escravidão.
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Logo após a ameaça, a presidenta do sindicato registrou um boletim de ocorrência na 7º Delegacia de Polícia de Joinville. No documento, ao qual o Brasil de Fato teve acesso, ficou registrado que Becker "estava no seu veículo e parou em um cruzamento na rua do Aimorés por volta das 10:00 da manhã. Logo em seguida parou uma motocicleta com um paralama grande e possível cor preta, conduzida por um homem, e ele perguntou se ela queria morrer e que ela deveria parar de se meter onde não deveria".
"O autor da ameaça acelerou e ingressou na rua Bauru. A Comunicante é presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville e recentemente foi feita uma denúncia junto ao Ministério Público do Trabalho (...) relatando a prática de trabalho escravo envolvendo uma obra da Prefeitura Municipal de Joinville que tomou repercussão de nível nacional e expôs a imagem da Comunicante. A Comunicante acredita que a ameaça foi feita em razão da mencionada denúncia."
"A gente credita tudo isso à denúncia que nós fizemos, com certeza. Nunca tinha sofrido nenhuma ameaça. Não tenho nenhum desafeto. É a primeira vez que passo por isso", disse a presidente.
Após registrar o boletim de ocorrência, Jane chegou a passar mal e precisou ser hospitalizada com um quadro de crise de ansiedade.
Em nota, o sindicato informou que "dará todo apoio a sua presidente e não irá se calar diante de ameaças e tentativas de calar quem defende o direito dos trabalhadores e o serviço público. Nossa luta seguirá forte".
Situação dos trabalhadores
Os trabalhadores em questão atuam na obra de ampliação da sede do Centro de Bem Estar Animal de Joinville, no bairro Vila Nova. O empreendimento, realizado pela empresa terceirizada Celso Kudla Empreiteiro Eireli, foi viabilizado por um contrato no valor de R$ 1,3 milhão e prevê obras de ampliação e pavimentação de passeio e acessos, de acordo com um edital de 2020.
De acordo com a denúncia, os cerca de 30 trabalhadores faziam as refeições dentro de canis e eram transportados em baús. O sindicato informou que até existe um refeitório para os servidores que trabalham no local, mas os trabalhadores não tinham acesso. No canil, os trabalhadores faziam as refeições ao lado de caçambas de lixo. Eles também foram vistos trabalhando sem equipamento de segurança individual no telhado das obras.
Um dos servidores do Centro de Bem Estar Animal reforçou a denúncia ao G1. "Não tem um lugar para eles almoçarem, nem em dias de chuva. Só jogaram eles aqui. É uma desordem", afirma. "Todos de chinelo, bermuda, roupa rasgada. Sentavam no canil para almoçar. Nos dias de sol, não tem capacete, protetor solar, chapéu, nada. Almoçam no canil ou em baixo de uma lona improvisada." Os trabalhadores são majoritariamente migrantes ou imigrantes.
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Em entrevista à Folha Metropolitana, Jane Becker ainda informou que são descontados R$ 800 do salário dos trabalhadores para pagamento de alimentação e transporte. "É desumano ter esta quantia enorme descontada e ser transportado dentro de caminhão baú e almoçando no chão do canil", afirma.
Em nota, a Prefeitura de Joinville informou que "assim que recebeu o relato de uma possível ausência de condições de trabalho", a obra foi paralisada até que todos os questionamentos sejam respondidos. Também disse que solicitou informações sobre a denúncia.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) também informou que recebeu a denúncia na quarta-feira (1º).
Jornalista demitido
Após a publicação da reportagem na Folha Metropolitana, o jornalista que publicou o texto, Leandro Schmitz, foi demitido pelo jornal. O veículo afirmou em nota que a demissão já estava programa por estar "passando por reestruturações de equipe para atender a produção jornalística com a nova realidade financeira e editorial desde que o jornal parou de ser impresso". O jornal ainda disse que a demissão também ocorre porque "Leandro tinha pouca disponibilidade de tempo para a vaga, já que também é servidor público da prefeitura".
À Revista Fórum, Schmitz afirmou que "existe a versão do jornal e existe a minha demissão ter acontecido cinco minutos após a publicação da matéria".
"O título da minha matéria, dando o nome de 'Trabalho análogo à escravidão' se deu pela denúncia do Sinsej no MPT, que dava este nome, mas que no corpo da matéria explica os fatos. Ou seja, quem vai decidir se é trabalho análogo será o MPT, eu como jornalista, dei as duas versões para que o leitor tirasse suas conclusões", disse.
Sobre ser servidor da prefeitura, o repórter afirmou que foi "contratado pelo jornal já ciente do meu horário dividido entre a nova função e meu trabalho na prefeitura". "Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Minha atividade de jornalista não interfere em nada minhas atividades na prefeitura. Ao menos não deveria", disse. "Espero apenas poder trabalhar novamente. E que isso não aconteça com mais ninguém. É muito injusto."
Edição: Nicolau Soares