O Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade nesta quinta-feira (2) ao julgamento de um habeas corpus (HC) que pode decidir sobre a ilegalidade de provas obtidas a partir de racismo nas abordagens policiais. A sessão começou com o parecer do relator, ministro Edson Fachin, que foi favorável ao HC. Outros três ministros foram contrários.
Na quarta (1), oito entidades se manifestaram, incluindo a Coalizão Negra por Direitos, além da Defensoria Pública de São Paulo, autora do pedido, e da Procuradoria-Geral da República (PRG).
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A ação trata, especificamente, de um homem negro preso por tráfico de drogas com 1,53 g de cocaína, em 2020. Os policiais admitiram que só abordaram o homem por conta da cor de sua pele. Agora, a Defensoria e as entidades querem que o Supremo declare a ilegalidade das provas obtidas em ações como essa. É o que as ciências criminais chamam de "perfilamento racial".
Na sessão de ontem, a única contrária à ilegalidade foi a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo. A jurista possui relações com a extrema direita, inclusive com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ela chegou a dizer que juízes da Suprema Corte "também sofrem racismo quando viajam para os Estados Unidos ou para Portugal, por exemplo".
Voto do relator
O julgamento será retomado na próxima quarta-feira (8). Faltam votos de sete ministros e a questão ainda está em aberto. "A situação apresentada não revela a existência de elementos concretos a caracterizar fundada razão exigida para busca pessoal sem ordem judicial. Assim, reconheço, no caso, a nulidade da busca pessoal realizada pelos policiais militares, a qual resultou na apreensão dos itens descritos e também de todos os demais elementos de informações e provas colhidas em juízos porque decorram de apreensão ilegal, em violação ao previsto na Constituição Federal", disse Fachin.
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Fachin criticou o racismo estrutural que orienta as ações das polícias militares, e também do Judiciário. "É passada a hora do senso comum, que impera ainda, de que pessoas negras são naturalmente voltadas para a criminalidade para que, quando menos e desde logo, esse contexto seja traduzido pelo Poder Judiciário como uma histórica e sistemática violação de direitos que tem sido normalizada pelas instituições de Justiça, a partir da legitimação de procedimentos que estariam a serviço da guerra do bem contra o mal, isto entre aspas", completou.
Votos contrários
Alexandre de Moraes, André Mendonça e Dias Tóffoli votaram contra o relator. Para Moraes, este é um tema que a Corte deve discutir. Contudo, neste caso concreto, de acordo com o magistrado, faltam elementos específicos. "O que ocorre é que, ao meu ver, o caso não é um bom caso para se caracterizar o perfilamento racial. Existe o perfilamento racial em operações policiais? Existe. Agora, neste caso, há provas de que ocorreu?"
Entretanto, Moraes defendeu a tese de que provas oriundas de perfilamento racial devem implicar na nulidade de processos. "Provas não podem ser obtidas por perfilamento racial, como aquele que praticou deve ser processado por racismo e isso deve ser extirpado."
A posição de Toffoli e Mendonça foram similares. Então, Mendonça reforçou que também está aberto à discussão futura sobre o tema. "A tese discutida merece toda defesa e todo reconhecimento (…) Voto no sentido de denegar a ordem. Repito, mantendo-me aberto a trabalharmos eventualmente, se assim entender o colegiado, a questão de uma tese sobre a matéria", disse.